SÃO CARLOS, SP (FOLHAPRESS) – Grandes episódios de seca têm atormentado os moradores da Amazônia nas últimas décadas, mas um novo estudo, usando dados que remontam ao início do século 20, indica que a frequência de enchentes também cresceu de forma assustadora na região de lá para cá – com uma provável conexão entre o fenômeno e as mudanças climáticas globais.

Para ser exato, as cheias intensas na Amazônia agora estariam cinco vezes mais frequentes. Em vez de acontecer uma vez a cada 20 anos, como era a regra até a primeira metade do século passado, agora afetam cidades como Manaus uma vez a cada quatro anos – isso desde o começo dos anos 2000. E as cheias também ficaram mais severas – as de 2009 e 2012 não têm precedentes históricos, por exemplo.

Foram dados históricos de Manaus, com efeito, que possibilitaram a análise do problema coordenada por Jonathan Barichivich, da Universidade Austral do Chile, que acaba de ser publicada na revista especializada Science Advances. Também assina o estudo Jochen Schöngart, do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, localizado na capital amazonense, entre outros pesquisadores.

A equipe usou informações sobre o nível das águas do rio Negro em Manaus, compiladas diariamente entre 1903 e 2015, e do rio Amazonas em Óbidos, no Pará, entre 1970 e 2015, bem como registros de índices de chuva e análises atmosféricas. Pelo que os pesquisadores verificaram, há alta correlação entre o nível da água medido nos dois locais durante quase todo o período – em geral, se há enchente em Manaus, o mesmo se verifica em Óbidos.

De maneira geral, o clima amazônico nos últimos anos, em especial o que se pode medir a partir da precipitação (chuva) parece um exemplo de livro didático do que a maioria dos cientistas espera das mudanças climáticas globais: um aumento da frequência dos chamados eventos climáticos extremos, com estações secas mais secas que o normal e estações chuvosas ainda mais “molhadas” que o esperado.

No caso do aumento das enchentes, Barichivich e companhia identificaram uma correlação entre esse processo e o fortalecimento da chamada circulação de Walker (também conhecida como célula de Walker). Essa circulação de ar, típica da camada mais baixa da atmosfera nos trópicos, está ligada a diferenças de temperatura no mar e na terra, envolvendo tanto trechos do Pacífico quanto do Atlântico tropical num sistema de evaporação, formação de nuvens e chuva.

Com o oceano Atlântico ficando mais quente nos trópicos, enquanto o Pacífico tem ficado mais frio, a circulação de Walker se fortalece – e despeja mais água sobre a Amazônia, segundo os pesquisadores. Esse processo parece estar associado a uma série de mudanças na circulação dos oceanos e dos ventos – e, em última instância, com o aumento das temperaturas médias da terra causado pela queima de combustíveis fósseis.