MOSCOU (UOL/FOLHAPRESS) – É difícil o 10 de julho de 2016 sair da cabeça de Antoine Griezmann. Tanto que ele mal se lembra que foi o artilheiro daquela Eurocopa, sozinho, com seis gols. Não importa, afirmou. A derrota para Portugal, por 1 a 0 na finalíssima, é um fantasma com que terá que conviver por um tempo ainda.

Não só ele. Naquela noite no Stade de France, em Saint Denis, nos arredores de Paris, outro cinco atletas que fazem parte do atual time da França estavam em campo: Lloris, Umtiti, Pogba, Matuidi e Giroud viram um time português, que logo no começo da partida perdeu seu astro, Cristiano Ronaldo, vencer por 1 a 0, na prorrogação. Se o Brasil teve o seu Maracanazo ao ser derrotado pelo Uruguai na Copa de 1950 dentro do Maracanã, a França sentiu também esse gosto amargo, como definiu Pogba, de perder uma Euro diante de seus torcedores.

A comissão técnica da França identificou logo cedo que essa derrota seria um fantasma na Rússia, já que além dos seis já citados, outros três jogadores que não entraram em campo na decisão, mas estavam no banco, foram chamados para a Copa-2018: Rami, Kanté e Mandanda. Nove de um grupo de 23, ou seja, 40% do elenco sofreu o baque daquela noite. Era preciso fazer algo.

Já na preparação na França, a ideia foi trabalhar com dois psicólogos. Um conversaria individualmente com todos os atletas, o outro trabalharia mais em grupo. Nada específico com os nove de 2016 quando as conversas ocorressem com mais pessoas. Era melhor deixar o fantasma guardado e só tirá-lo da gaveta se preciso.

Nas conversas individuais foi identificado que, na visão dos atletas, o clima de já ganhou foi fator decisivo para a derrota. Recuando para o jogo semifinal, a França bateu a Alemanha, atual campeã mundial, por 2 a 0 – se vingando da derrota por 1 a 0 nas quartas de final da Copa-2014. Ali, e cruzando contra um time de Portugal que apesar de ter o melhor jogador do mundo não era, digamos, páreo naquele momento, os jovens atletas, e até os mais experientes, já se consideravam campeões da Europa. Quebraram a cara.

"Quando ganhamos contra a Alemanha [na semifinal da Euro], estávamos eufóricos, um pouco demais, é verdade. Estamos cientes de que não há nada ganho. Nós vamos usar essa derrota na final para fazer um grande jogo no domingo [na decisão contra a Croácia, em Moscou]", disse Matuidi, que, aos 31 anos, é um dos mais experientes do grupo.

"Na Euro 2016, depois de vencer a Alemanha [na semifinal], ficamos muito confiantes e perdemos a final. Agora vamos estar muito mais concentrados do que dois anos atrás. Sabemos o que é sentir o gosto amargo", disse Pogba.

A admissão de que, sem rodeios, entraram de salto alto já se achando campeões, não é aleatória. Fez parte do trabalho dos psicólogos -que não acompanharam todo o tempo a delegação na Rússia. O técnico Didier Deschamps, que tem perfil motivador e de conversar muito, ajudou nesse trabalho de desconstruir a frustração da derrota em 2016. Ele era o técnico dois anos atrás.

Griezmann, na época com 25 anos, sentiu o baque talvez mais do que os outros. Era na época, ao lado de Pogba, o jogador em que se depositavam mais esperanças. E ele foi o artilheiro da competição, com seis gols. Na final, porém, passou em branco e isso o derruba. Sentia-se culpado.

Nos papos com os psicólogos, e principalmente com Deschamps, foi se tirando de Griezmann a necessidade de ser artilheiro, e de sempre marcar. Na campanha da Copa de 2018 fez três gols até agora, dois de pênalti e outro num frangaço do uruguaio Muslera, quase um presente. Para ele está ótimo.

"Fui o artilheiro em 2016, na Euro [seis gols], e perdemos a final. Agora estou fazendo menos gols, entendi que posso fazer menos gols e atuar de outra maneira, vamos ver se ganhamos dessa vez", afirmou Griezmann.

Na montagem do time titular para a Copa-2018, Deschamps encontrou a formação ideal com os seis jogadores já citados que estavam naquela final, mas juntou a eles atletas jovens, como Pavard, Varane, Lucas Hernández e Mbappé, que nem sonhavam, na época, servir a seleção. E Kanté.

O volante de 27 anos estava naquele elenco, mas sentou no banco na final. Tímido, não gosta de dar entrevista, fala pouco, mas foi uma frase dele, uma das raras, que disse ainda na concentração na França que chamou a atenção do treinador e dos psicólogos: "já sofremos tudo o que tínhamos para sofrer". Justo Kanté, que pouco sentimento demonstra, mostrou que era hora de olhar para frente. Até agora funcionou.