SALTA, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – Na manhã do último dia 20 de fevereiro, feriado na província de Salta em comemoração a uma importante batalha da independência argentina, o governador Juan Manuel Urtubey, 49, saiu às ruas do centro da cidade, vestindo um “sombrero” típico da região e acompanhando os desfiles que homenageiam a data.


À tarde, recebeu um grupo de correspondentes estrangeiros que ele mesmo convidou para uma conversa em seu sítio.


“Vários dos outros pré-candidatos já tiveram mais exposição pública do que eu, são ou foram presidentes, candidatos a presidente”, explica o governador sobre um de seus principais desafios neste momento em que começa sua campanha para concorrer à Presidência da Argentina: ser mais conhecido.


Trazer a imprensa internacional à sua casa faz parte desse plano de divulgação. Advogado de formação, Urtubey é um peronista de centro-esquerda. Desde 2007 governa Salta, uma das províncias mais conservadoras da Argentina.


Vive numa bela casa que funcionava no passado como sede do controle de águas da região e foi remodelada para ser a residência oficial do governador. Está numa área de proteção ambiental, portanto não se vê vizinhos, apenas o horizonte de verde e as belas montanhas que atraem tantos turistas à região.


“Há cervos aqui, estamos no meio do mato”, diz Urtubey, quando uma das jornalistas se assustou com uma aranha que caminhava na parede, ao lado de obras de arte, no ambiente luxuoso do salão de visitas.


O desafio a que se propôs é complicado. Num país tão polarizado como a Argentina, em que as pré-candidaturas mais consistentes, por ora, são as do atual presidente, Mauricio Macri, e da ex-presidente Cristina Kirchner, Urtubey quer “sair da lógica binária”, ainda que esta seja uma tradição na história política argentina.


E faz seus cálculos. “Pelas pesquisas, 60% dos argentinos está na polarização Macri x Cristina. Os outros 40% não querem nem um nem outro e estão por ser conquistados. É nesse espaço que quero construir minha candidatura.”


O caminho, porém, passa pelas eleições primárias, em agosto. Nessa disputa, estarão Sergio Massa, terceiro lugar nas eleições presidenciais em 2015, e o atual líder do Senado, Miguel Pichetto.


Ambos representam um peronismo de direita, enquanto Urtubey se define como um progressista, de centro-esquerda, “que é a vocação original do peronismo”, segundo ele.


Como em toda eleição argentina, o peronismo se apresenta em diversas candidaturas. Cristina Kirchner, também peronista, irá com a coalizão Unidad Ciudadana, enquanto Massa, Pichetto e Urtubey disputam dentro do campo do chamado “peronismo alternativo”, ou seja o “peronismo anti-kirchnerista” -a aliança Alternativa Federal.


As propostas de Urtubey destoam das de seus concorrentes. Pichetto é o representante clássico da “velha política”, com um longo histórico dentro do Congresso. Já Massa foi chefe de gabinete de Cristina Kirchner, mas depois passou a criticá-la.


Seu discurso foi caminhando à direita, a ponto de, nas últimas eleições, ter apoiado Macri no segundo turno, contra o então candidato kirchnerista, Daniel Scioli.


Urtubey diz que acredita que o atual governo “fez um bom diagnóstico da situação econômica”, mas errou na solução. “Acredito num Estado articulador, que provê serviços e atue na amenização das diferenças sociais. Ainda mais numa situação de recessão como a que estamos vivendo. A aposta de livre-mercado que fez Macri, na qual eu não acredito, produziu a situação em que estamos”, diz, referindo-se ao aumento nas cifras de pobreza e de desigualdade social que vêm causando inquietação popular.


Além disso, entre suas bandeiras estão uma reforma política para que a Argentina seja um semi-parlamentarismo, e que a relação do Executivo com o Congresso seja por meio coalizões. “Não há mais como ter grandes maiorias.” 


Defende, inclusive, que o chefe de gabinete seja eleito pelo Legislativo, o que poderia obrigá-lo a despachar todos os dias com um membro da oposição. “Temos de aprender a fazer política assim, é mais democrático”, diz.


Também assegura que abriria mão da reeleição e propõe que temas que tenham que ver com mudanças na sociedade resolvam-se com consultas populares.


Como no caso do aborto. Urtubey diz que, se for presidente, este tema seria levado a uma consulta vinculante, e que pessoalmente está a favor da legalização.


Se o discurso de Urtubey pode soar convincente a um eleitor de esquerda ou centro-esquerda que não quer votar novamente no kirchnerismo, os exemplos de como vem governando Salta não são todos positivos.


A província está um ponto abaixo da média nacional de pobreza na Argentina (em torno de 33,6%). Além disso, sua gestão recebe críticas pelo desmatamento avançado do interior, deslocando comunidades indígenas para plantações de soja, e, apesar de se dizer pró-alternância no poder, está no atual cargo há três mandatos.


Questionado sobre como seria sua relação com o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, principalmente no que diz respeito à diferença ideológica, Urtubey diz crer que “as relações internacionais têm de ser desideologizadas”.


Afirmou que é a favor de uma maior integração entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico e mais intensidade na complementaridade das economias da região.


Quanto ao discurso muito mais à direita que o seu, Urtubey disse que não é um problema. “Eu não acredito nessa lógica de contágio ideológico regional, os brasileiros fizeram essa opção, não tenho direito de questionar, mas não creio que contagie ideologicamente a Argentina ou a região.”


Ao final da entrevista, Urtubey apresentou aos jornalistas outro que pode vir a ser um de seus recursos de campanha. Assim como a beleza e o charme da atual primeira-dama, Juliana Awada, auxiliaram Macri em 2015, Urtubey não cansa de exibir sua atual mulher, a bela atriz de novelas Isabel Macedo, com quem se casou há dois anos e com quem tem uma filha.


*A jornalista viajou a convite do governo da Província de Salta