BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Reagindo a uma canetada do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, que esvaziou seus poderes, o presidente da Apex-Brasil, Mario Vilalva, acusou o chanceler de falta de lealdade e chamou os diretores ligados ao titular do Itamaraty de “despreparados, inexperientes, inconsequentes e irresponsáveis”.

Documento obtido pela Folha de S.Paulo revela que Araújo transferiu diversas atribuições da presidência da Apex a dois dos seus aliados no órgão, a diretora de Negócios, Letícia Catelani, e o diretor de Gestão Corporativa, Márcio Coimbra.

“[Eu recebi] com muita surpresa e muita decepção. Eu não esperava isso de um colega [Araújo] ao qual eu fui leal o tempo todo”, disse Vilalva em entrevista à Folha de S.Paulo, lamentando a falta de reciprocidade na sua relação com o chanceler. ​”O documento foi feito na calada da noite, e faltou lealdade ao ministro.”

“O mais grave foi o fato de que as mudanças foram feitas sem o presidente da Apex saber e que elas foram escondidas em documento guardado em cartório, o que demonstra jogada ardilosa e de má-fé”, acrescentou o embaixador.

A Apex (Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos) é vinculada ao Ministério das Relações Exteriores e atua na promoção de produtos brasileiros no exterior.

O documento revela que Araújo assinou e protocolou, de forma unilateral, em 15 de março, alterações substanciosas no estatuto social da Apex. Entre outros pontos, as mudanças impedem Vilalva de demitir Catelani e Coimbra.

A canetada de Araújo também dá poderes aos dois diretores —ambos ligados ao chanceler— para convocar reuniões da diretoria-executiva na “impossibilidade ou recusa” de Vilalva.

A diretoria-executiva é o órgão deliberativo e concentra as principais decisões da agência.

Embaixador de longa carreira no Itamaraty, Vilalva alega que tomou conhecimento das alterações no estatuto ao ser procurado pela reportagem nesta segunda-feira (8). Disse que tanto Catelani quanto Coimbra são pessoas “despreparadas, inexperientes, inconsequentes e irresponsáveis.”

O presidente da Apex afirmou ainda que levou ao ministro Ernesto Araújo o que chamou de problemas de indisciplina dos dois diretores, que segundo ele estão trazendo prejuízos à Apex. “Mas infelizmente não tive uma reação à altura do que eu esperava”, disse o diplomata.

São várias as mudanças feitas por Araújo no estatuto da Apex. O chanceler inseriu, por exemplo, um dispositivo que impede Vilalva de destituir os dois diretores da agência sem “consentimento do Conselho Deliberativo”. Esse órgão colegiado é presidido por Araújo, enquanto ministro das Relações Exteriores.

Também há várias alterações na área que trata das atribuições da diretoria-executiva da Apex.

Araújo inseriu a expressão “em conjunto com um diretor” nos itens que tratam da contratação e dispensa de pessoal na representação da Apex em juízo e na assinatura de contratos.

Na prática, isso reduz os poderes de Vilalva, uma vez que no estatuto anterior a expressão não existia e essas atribuições eram exclusivas do presidente da agência.

À Folha de S.Paulo Vilalva disse que a situação na qual se encontra a Apex —“um pouco paralisada diante de pessoas que não têm experiência nem maturidade para lidar com a coisa pública”— tem gerado prejuízos à agência e à promoção das exportações brasileiras.

“O que está acontecendo aqui é que as pessoas estão trabalhando em agendas pessoais, e com isso não estão preocupadas em fazer com que o trabalho da agência corra normalmente, como sempre aconteceu”, disparou o embaixador.

Ele negou ainda que tenha se blindado com o apoio da ala militar do governo, mas disse que mantém boas relações com os generais do governo.

“Eu sou filho de militar, portanto eu tenho total conhecimento do que é a ala ou o ambiente militar. Eu cresci nesse ambiente e prezo muito os militares, tenho muito respeito pelo trabalho que eles fazem no Brasil. Evidentemente que eu cheguei a conversar com alguns representantes da ala militar no Planalto sobre essa questão, e eles compreenderam perfeitamente bem a minha situação de aflição dentro da agência”, acrescentou.

Questionado sobre a quem se referia como “ala militar no Planalto”, Vilalva citou o vice-presidente Hamilton Mourão e o ministro do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general Augusto Heleno.

“Eu estive com o vice-presidente Mourão institucionalmente. Ele se interessou em saber como a Apex funcionava. Eu marquei hora com ele para explicar e inclusive também para ajudá-lo em eventuais missões dele no exterior”, relatou Vilalva, ressaltando que não discutiu a crise interna na agência especificamente com o vice.

Procurado, o Ministério das Relações Exteriores disse que a “alteração do estatuto visa adequá-lo à lei, que atribui decisões à diretoria executiva (composta pelo diretor presidente e os outros dois)”.

“O novo estatuto será submetido ao Conselho Deliberativo da Apex na próxima reunião.”

O ministério disse ainda não haver intenção de “tirar poder de ninguém” e negou que a agência esteja “paralisada”. “A Apex não está paralisada e vive redesenho de métodos e processos, numa dinâmica de colegialidade”.

Essa não é a primeira polêmica envolvendo a Apex no governo do presidente Jair Bolsonaro, que inicialmente indicou Alecxandro Carreiro para comandar a agência.

Mas nove dias após a posse, em 9 de janeiro, Araújo anunciou a demissão de Carreiro, que teria se desentendido com Catelani.

Carreiro, porém, não aceitou a demissão e permaneceu dando expediente normalmente no dia seguinte, até o próprio Bolsonaro confirmar sua saída —e indicar Vilava como substituto.