BUENOS AIRES, ARGENTINA (FOLHAPRESS) – O tribunal especial para a paz (JEP), controverso órgão criado após o acordo entre o Estado colombiano e a ex-guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em 2016, decidiu nesta quarta-feira (15) não extraditar o líder guerrilheiro Jesús Santrich para os EUA.


Em vez da extradição, Santrich, que respondia a acusações de continuar traficando drogas mesmo após ter aceitado os termos do pacto de paz, será liberado. A decisão gerou a “renúncia irrevogável” do procurador-geral da Colômbia, Néstor Humberto Martínez.


“Minha consciência e minha devoção pelo estado de direito me impedem [de liberar Santrich], por isso apresento renúncia irrevogável de meu cargo de procurador-geral da nação”, afirmou Martínez em uma declaração em Bogotá.


A JEP vem sendo duramente questionada pelo Executivo e por parte dos integrantes do partido de direita Centro Democrático, liderado pelo ex-presidente Álvaro Uribe.


Em março, o presidente colombiano, Iván Duque, quis limitar os poderes do órgão alterando seu estatuto, mas a mudança não foi aceita pelo Congresso.


A liberação de Santrich pode tornar a relação entre o tribunal e o governo colombiano ainda mais tensa. O episódio é simbólico porque Santrich atuou durante mais de quatro anos como negociador do acordo de paz entre a guerrilha e Bogotá e se elegeu para a Câmara colombiana por meio da sigla criada com o pacto de paz.


Segundo comunicado emitido pela JEP nesta tarde, não foi possível comprovar se o envio de dez toneladas de cocaína para o exterior, realizado por Santrich e seus comandados, ocorreu antes ou depois de 1º dezembro de 2016.


Se tiver sido antes dessa data, quando o acordo de paz foi aprovado pelo Congresso, Santrich teria o direito a ser julgado pela JEP.


Neste caso, caso seja considerado culpado, receberia uma pena alternativa à prisão ou poderia até mesmo ser anistiado. Se ficar comprovado que o envio foi feito depois da assinatura do pacto, Santrich teria de ser julgado pela Justiça comum.


Para Duque, este é um dos pontos mais sensíveis do acordo com a ex-guerrilha. O presidente quer que a JEP não considere o crime de narcotráfico como passível de anistia, pois o considera um delito de lesa humanidade.


Depois da decisão do tribunal especial, foi enviado um pedido à Procuradoria para liberar Santrich ainda hoje. Ele está preso há mais de um ano na penitenciária de La Picota, em Bogotá.


A Procuradoria, porém, afirmou que irá apelar à Corte Suprema de Justiça, porque considera que há evidências suficientes de que Santrich cometeu o crime já com o acordo de paz em vigor. Portanto, estaria violando o documento e não teria direito ao julgamento pelo tribunal de paz.


Santrich é conhecido por ter feito parte de um cartel conhecido como “La Familia”, com contatos com cartéis mexicanos que levam a droga produzida na Colômbia para os Estados Unidos. O acusado diz ter deixado o cartel depois da assinatura do acordo de paz.


Informações da DEA (agência antidrogas dos EUA) enviadas à Justiça colombiana, no entanto, dão conta de que o carregamento de cocaína teria sido negociado e enviado a Miami no começo de 2018.


Martínez, que foi ministro nos governos de Andrés Pastrana e Juan Manuel Santos, era procurador-geral desde 2016 e enfrentava acusações de conflito de interesses quando estourou o escândalo dos subornos internacionais da empreiteira brasileira Odebrecht.


Uma testemunha-chave que deporia sobre um suposto conhecimento prévio de Martínez sobre os pagamentos ilícitos da Odebrecht durante a gestão de Juan Manuel Santos (2010-2018), Jorge Enrique Pizano, morreu de forma repentina e até agora misteriosa.


A principal obra da Odebrecht no país é um trecho da Ruta del Sol, uma estrada que conecta os Andes colombianos ao Caribe e pela qual a Odebrecht declarou ter pago pelo menos US$ 19 milhões para obter a concessão.


Na época, a Odebrecht tinha um sócio local, que pertencia ao Grupo Aval, para quem Martínez oferecia serviços de advogado.