Com o ritmo reduzido pela falta de peças, a produção das montadoras caiu 3,5% no mês passado na comparação com o mesmo período de 2020. Entre carros de passeio, utilitários leves, caminhões e ônibus, 197 mil veículos foram montados em fevereiro, o volume mais baixo dos últimos sete meses.

Divulgado nesta sexta-feira pela Anfavea, a entidade que representa as montadoras instaladas no País, o resultado também corresponde ao pior fevereiro na atividade do setor desde 2016, quando a indústria automotiva produziu 144,3 mil veículos no segundo mês do ano.

Frente a janeiro, a produção caiu 1,3%, levando o volume acumulado no primeiro bimestre para 396,7 mil unidades, praticamente no mesmo nível (alta de 0,2%) dos dois primeiros meses do ano passado.

O desempenho reflete a dificuldade de abastecimento de peças nas linhas, agravada agora pela escassez global de componentes eletrônicos, junto com o fim da produção da Ford no País, anunciado em janeiro.

No mês passado, além da folga dada por diversas montadoras na semana do carnaval, a falta de eletrônicos interrompeu entre os dias 5 e 12 a produção da Honda em Sumaré, no interior de São Paulo – parada que volta a acontecer no local nestes dez primeiros dias de março. A Renault também perdeu três dias de produção no Paraná devido ao atraso de um navio que trazia peças da Ásia e não conseguiu janela para atracar no porto de Paranaguá (PR). A montadora pretende compensar futuramente.

O estoque de veículos nos pátios de fábricas e concessionárias fechou fevereiro em nível baixo, suficiente para apenas 18 dias de venda, mesmo patamar do fim de janeiro.

Como faltam alguns modelos nas concessionárias, as vendas de fevereiro tiveram queda de 16,7% na comparação com o segundo mês de 2020, para 167,4 mil veículos. Foi o pior fevereiro em vendas desde 2018. Ante janeiro, a queda dos emplacamentos foi de 2,2%, informou a Anfavea, que começou o ano prevendo crescimento de 15% do mercado em 2021.

Nos dois primeiros meses do ano, as vendas de veículos tiveram queda de 14,2%, para 338,5 mil unidades na soma de todos os segmentos.

Já as exportações, um total de 33,1 mil veículos no mês passado, caíram 12,2% ante fevereiro de 2020. Na comparação com janeiro, os embarques, que têm a Argentina como principal destino, subiram 32%. Nos dois primeiros meses do ano, as montadoras exportaram 58,1 mil veículos, 0,2% a menos do que o total do primeiro bimestre do ano passado.

O levantamento da Anfavea mostra ainda a abertura de 1,3 mil vagas de trabalho nas montadoras em fevereiro, boa parte em contratações temporárias na indústria de caminhões. O setor fechou o mês empregando 104,7 mil pessoas, 1,2% a mais do que em janeiro.

Assim como já tinha ocorrido na divulgação do mês passado, a Anfavea segue sem apresentar os resultados das fábricas de tratores agrícolas e máquinas de construção. Em razão do desligamento da John Deere da associação, a entidade está revendo toda a série estatística deste setor.

Desafios

A Anfavea informou que a falta de componentes eletrônicos adicionou complexidade ao desabastecimento das linhas de montagem e inviabiliza uma solução rápida do quadro de insuficiência de insumos que limita a produção do setor.

“Vamos ter bastante emoção na produção até o fim do ano”, comentou o presidente da associação, Luiz Carlos Moraes, acrescentando que, assim como acontece no mundo, a escassez de componentes eletrônicos seguirá afetando a oferta de modelos, como consequência o mercado, também no Brasil.

“A situação dos semicondutores chips usados em circuitos eletrônicos é mais complexa. Não vemos soluções de curto prazo”, acrescentou o executivo. “Semicondutores é o que mais tira o sono das montadoras no Brasil e fora do Brasil.”

Tendo em vista o quadro de pandemia, que impede o funcionamento normal das fábricas, e a indisponibilidade de componentes – incluindo ainda aço, plástico e borracha -, além de dificuldades relacionadas ao desarranjo na logística, com alterações de rotas marítimas que geram atrasos de navios e insuficiência de contêineres, Moraes fez uma avaliação positiva da produção de fevereiro. “Apesar das dificuldades, estamos conseguindo produzir e atender o mercado”, afirmou Moraes.

Segundo o presidente da Anfavea, o risco de novas interrupções de produção na indústria de veículos é “permanente”, já que nem todos fornecedores conseguem produzir na mesma velocidade.

Moraes afirmou ainda que, além da crise de oferta de produtos e desarranjo na logística, a pandemia causou desorganização dos preços relativos da economia, dada a valorização rápida das commodities, com pressão sobre custos. “Em algum momento, isso tem que ser repassado ao consumidor”, observou o representante da indústria de automóveis, após apresentar indicadores públicos que mostram, em um ano, aumento de 61% no preço do aço e de 68% de resinas.

Pandemia

A direção da Anfavea descartou hoje uma paralisação geral das montadoras, como aconteceu em abril do ano passado, em virtude do endurecimento das restrições nos Estados – incluindo São Paulo, onde a quarentena vai fechar concessionárias de carros nas próximas duas semanas.

A posição transmitida nesta sexta-feira pela associação, durante entrevista coletiva à imprensa, é de que os protocolos de prevenção cumpridos pela indústria fazem das fábricas um local seguro. O risco de novas paradas segue sendo “permanente”, porém em função da falta de componentes que impede o funcionamento regular das linhas de montagem. “

“Vemos menos risco dentro das fábricas do que em outros lugares Trabalhamos com padrão de excelência nos cuidados sanitários”, comentou Luiz Carlos Moraes.

Antes de lembrar que as montadoras vêm tomando uma série de cuidados – como o transporte de funcionários em ônibus fretados e abertura de novos turnos de trabalho para evitar aglomerações no chão de fábrica -, Moraes salientou que o setor nunca subestimou a gravidade e consequências da pandemia, também antecipando, já em agosto, o risco de uma segunda onda.

Por esse motivo, observou Moraes, a Anfavea divulgou em janeiro projeções consideradas conservadoras sobre o desempenho da indústria de automóveis. Os prognósticos, que incluem a expectativa de alta de 15% das vendas após o tombo de 2020, foram mantidos hoje.

O presidente da associação das montadoras lamentou que muitos dos receios considerados quando as projeções estavam sendo finalizadas estão sendo agora confirmados, citando como exemplo o risco de recessão técnica no primeiro semestre, a pressão inflacionária, o aumento do risco-país, a elevação de custos de produção e a volatilidade cambial.

Moraes aproveitou para cobrar uma aceleração do programa de vacinação, única forma, segundo ele, de o País promover o retorno da economia a “níveis aceitáveis”.

“A gente precisa ter uma meta ambiciosa de imunização, com um sistema estruturado e todos trabalhando na mesma direção”, frisou o presidente da Anfavea, entidade que aderiu ao “Unidos pela Vacina”, o movimento liderado pela empresária Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, que une esforços na iniciativa privada para dar respaldo ao avanço mais rápido do programa nacional de imunização.

Durante a entrevista, Moraes considerou que a crise sanitária chegou a uma situação de caos, com piora em indicadores de contaminações, óbitos e ocupação de leitos em hospitais. “Infelizmente, estamos deixando brasileiros para trás.”

Ele observou que, como a vacinação não evolui na velocidade desejada, o Brasil voltou ter a necessidade de gastar com auxílio emergencial para socorrer populações vulneráveis. “É melhor vacinar do que gastar com abono e outras medidas emergenciais”, assinalou Moraes.