AUSTIN, EUA (FOLHAPRESS) – Aos 13 anos, Tilly Lockey é uma garota britânica que adora moda e vive chamando atenção por onde passa. Quando bebê, sofreu um tipo grave de meningite e teve as mãos amputadas, mas não é a deficiência que faz pessoas na rua lhe pararem para pedir fotos. Ela tem braços biônicos de super-herói, as próteses mais avançadas do mercado feitas a baixo custo.


“Adoro combinar minhas roupas com minhas mãos”, diz Lockey, uma das primeiras usuárias do Hero Arm, criado através de impressoras 3D pela Open Bionics, uma startup de Bristol (Reino Unido).


Graças a uma parceria com a Disney, crianças a partir dos 9 anos e com amputações abaixo do cotovelo podem escolher entre braços do “Homem de Ferro”, que vem com lasers e uma luz na palma na mão, da “Frozen”, com glitters e flocos de neves brilhantes, ou inspirado no robô BB-8 de “Star Wars”.


“Um garoto queria do Darth Vader, mas a Disney não liberou. Não queriam nenhuma criança indo para o lado negro da força”, brincou a cofundadora da Open Bionics Samantha Payne, numa conferência em Austin chamada Body Hacking Con.


“Queremos transformar deficiências em superpoderes e fazemos isso através do design”, disse. “Esperávamos algum tipo de reação social, mas nos surpreendemos com o gigantesco passo na confiança corporal e mental dos usuários.”


Por enquanto, só há 35 próteses em uso, mas a ideia é que o Hero Arm esteja disponível gratuitamente através do sistema de saúde do Reino Unido, onde já foram feitos testes, além de França, Itália, Espanha, Alemanha e EUA.


A Open Bionics não vende diretamente ao usuário e sim para clínicas privadas, que no momento cobram cerca de 10 mil libras (R$ 50 mil), incluindo consultas e taxas.


“É apenas uma questão de resolver burocracias para ser gratuito. Abrimos essa empresa e ficamos cinco anos desenvolvendo justamente para atingir um preço acessível para o sistema nacional de saúde de vários países”, explicou.


Para comparação, os tornozelos do biofísico Hugh Herr, do MIT Media Lab, os mais avançados do mundo, custam cerca de US$ 1 milhão cada (cerca de R$ 3,7 milhões), diz Payne. “Nosso grande diferencial é na mudança dos materiais das próteses e no uso de scanners 3D para fabricar o encaixe”, disse.


Ex-jornalista, ela abandonou a profissão ao se apaixonar pela “atitude punk” do engenheiro de robótica Joel Gibbard, cofundador da Open Bionics. Ele queria popularizar a tecnologia das próteses avançadas, já que apenas 1% dos amputados no mundo têm acesso a braços biônicos.


Sem dinheiro, Payne ajudou Gibbard a escrever o projeto para uma competição da Intel e ganharam um prêmio de US$ 250 mil (R$ 930 mil). Compraram então a primeira impressora 3D, alugaram um espaço e contrataram quatro funcionários.


No processo de desenvolvimento, abriram os códigos dos protótipos publicamente na internet para quem quiser imprimir sua própria mão biônica. Um veterano americano, que perdeu o braço no Afeganistão, chamou amigos e construiu um na garagem de casa. Os códigos podem ser acessados por meio do site https://openbionicslabs.com/downloads.


A parceria com a Disney também foi suada. Após ouvir um não e uma ameaça de processo, a dupla voltou a procurar o estúdio um ano depois, através de outro contato, e foi recebida de braços abertos. Eles participaram de um programa da Disney para startups e passaram três meses em Los Angeles desenvolvendo as próteses com artistas dos próprios filmes.


Até o ator Mark Hamill, que vive Luke Skywalker em “Star Wars”, gravou uma mensagem para a empresa dando apoio às crianças com deficiências. “Lembrem-se, Luke perdeu sua mão para Darth Vader, mas isso não o impediu de derrotar o Império”, diz.


Em janeiro, a Open Bionics levantou mais R$ 22 milhões para investir na distribuição internacional. Hoje, conta com 24 empregados e 10 impressoras e scanners 3D. Cada prótese (ativada por músculos da parte superior do braço) é personalizada e leva dois dias para ter suas partes impressas. A montagem dura sete horas.


Além de outros prêmios, a empresa ganhou registro no livro Guinness dos Recordes como primeira prótese de mão baseada num videogame, no caso o personagem cyberpunk Adam Jensen de “Deus Ex”. “É muito parecida com a mão original, mas sem as armas, claro”, diz o usuário britânico Daniel Melville, de 20 e poucos anos.


Payne lembra que Melville teve experiências traumáticas na infância e sofria bullying por conta das próteses rudimentares que usava. Hoje, frequentador de feiras de games, ele precisa provar que sua mão é biônica de fato, e não de mentirinha. “Queremos mudar a narrativa do que significa ter uma deficiência”, diz Payne.