Dallagnol (Podemos): fiscalização começaria em dez ministérios. Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

As bancadas do PSOL e do PT na Câmara dos Deputados anunciaram neste domingo (14) que pretendem acionar o coordenador da força-tarefa da operação Lava Jato no Paraná, procurador Deltan Dallagnol, por infração disciplinar junto ao Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O anúncio foi feito depois que o jornal ‘Folha de São Paulo’ revelou, ontem, que Dallagnol trocou mensagens com outros integrantes da Lava Jato, comentando sobre um plano de negócios para lucrar com palestras e eventos, a partir da fama e contatos obtidos pela operação.

“Devido às flagrantes ilegalidades, observa-se que valores e princípios básicos do Ministério Público foram quebrados com tais diálogos e iniciativas. Trata-se de um claro desvio de conduta e abuso ilegal de prerrogativas”, afirmou a bancada do PSOL em nota. “Depois da matéria de hoje (ontem), Conselho do Ministério Público tem que abrir investigação sobre Dallagnol. Providências devem ser tomadas imediatamente, inclusive o afastamento do procurador das operações. Já passou da hora”, defendeu a deputada federal paranaense e presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann.

Do outro lado, o coordenador da Lava Jatgo recebeu o apoio do “Vem Pra Rua”, movimento surgido na esteira das ações da operação. “Ele lucra com o trabalho dele. Inclusive o Gilmar Mendes [ministro do STF] tem um instituto em que ele faz só isso. Não vejo problemas nisso”, disse ao Uol a porta-voz da organização, Adelaide Oliveira.

Sócios
Segundo as mensagens obtidas pelo The Intercept Brasil e analisadas em conjunto com a Folha de São Paulo, Dallagnol articulou com um colega da Lava Jato a constituição de uma empresa na qual eles não apareceriam formalmente como sócios, para evitar questionamentos legais e críticas. A justificativa da iniciativa foi apresentada por Deltan em um diálogo com a mulher dele. “Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade”, escreveu.

Os procuradores cogitaram ainda uma estratégia para criar um instituto e obter elevados cachês. “Se fizéssemos algo sem fins lucrativos e pagássemos valores altos de palestras pra nós, escaparíamos das críticas, mas teria que ver o quanto perderíamos em termos monetários”, comentou o procurador no grupo com um integrante da força-tarefa. A lei proíbe que procuradores gerenciem empresas e permite que essas autoridades apenas sejam sócios ou acionistas de companhias.

O Conselho Nacional do Ministério Público arquivou, no final de junho, uma investigação contra Deltan e demais procuradores da força-tarefa da Lava Jato, depois da revelação pelo Intercept de outras mensagens trocadas entre eles e com Sergio Moro, ex-juiz e atual ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Integrantes do órgão pretendem reapresentar logo na primeira sessão do colegiado, dia 13 de agosto, pedido de abertura de investigação contra Deltan

BOI NA LINHA
Os novos diálogos da Lava Jato revelados neste domingo:
Em dezembro de 2018, Deltan Dallagnol comenta em um diálogo com a mulher sobre um plano de criar uma empresa para aproveitar a fama e os contatos obtidos na Lava Jato

Deltan – “Vc (Fernanda Dallagnol) e Amanda do Robito (Amanda Pozzobon, esposa do procurador Roberson Pozzobon) estão com a missão de abrir uma empresa de eventos e palestras. Vamos organizar congressos e eventos e lucrar, ok? É um bom jeito de aproveitar nosso networking e visibilidade…” “Vcs não vão ter que trabalhar. Contratam uma empresa pra organizar o evento”

5.dez.2018 – Deltan – “Antes de darmos passos para abrir empresa, teríamos que ter um plano de negócios e ter claras as expectativas em relação a cada um. Para ter plano de negócios, seria bom ver os últimos eventos e preços”

Roberson Pozzobon – “Temos que ver se o evento que vale mais a pena é: i) Mais gente, mais barato ii) Menos gente, mais caro” (…).“E um formato não exclui o outro”.

14.fev.2019 – Deltan: “Caros, se formos tocar nós mesmos, não vai funcionar. E se eu passar pra Fernanda da Star organizar isso e combinar que dividiremos os lucros? Se tivermos a empresa em nome de Amanda e Fer, jogamos pra ela organizar tudo e dividimos por 3 o resultado, sendo 1/3 pra Fernanda da Star. Estão de acordo?”

DEFESA
Procurador e Lava Jato negam crime
O coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, afirmou que realiza palestras para promover a cidadania e o combate à corrupção e que esse trabalho ocorre de maneira compatível com a atuação no Ministério Público Federal. Em nota enviada pela assessoria de imprensa, os integrantes da força-tarefa da Lava Jato declaram que “não reconhecem as mensagens que têm sido atribuídas a eles” e que “esse material é oriundo de crime cibernético e não pôde ter seu contexto e veracidade comprovado”.
Quanto ao tema das palestras, a nota afirma que “é lícito a qualquer procurador, como já decidido pelas corregedorias do Ministério Público Federal e do Conselho Nacional do Ministério Público, aceitar convites para ministrar cursos e palestras gratuitos ou remunerados”. “Palestras remuneradas são prática comum no meio jurídico por parte de autoridades públicas e em outras profissões”, completa a nota.