Embora os dois nomes estejam relacionados à prática genérica de uma “discriminação” e impliquem em responsabilidade penal, estamos diante de conceitos diversos, a começar por sua previsão legal: enquanto a injúria racial é um crime previsto no artigo 140, §3º do Código Penal, o racismo foi criminalizado na Lei Federal nº. 7.716/1989.

Além disso, dentro da lógica do direito penal, podemos afirmar que os dois crimes protegem bens jurídicos diversos, ou seja, protegem valores diferentes entre si.
A injúria racial protege o bem jurídico “honra” da vítima, estabelecendo uma pena de reclusão de um a três anos (ou seja, em regime fechado ou semiaberto), além da pena correspondente a eventual violência praticada. Assim, pratica esse crime aquele que ofende uma pessoa determinada, utilizando-se de elementos de raça, cor, etnia, religião ou condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência. Trata-se de um crime de tem uma prescrição de oito anos e não implica em “prisão”.

Em geral, está associado ao uso de palavras depreciativas referentes à raça ou cor, com a intenção de ofender a honra da vítima. Mas, basicamente a diferenciação deste crime ao racismo está relacionada ao direcionamento: na injúria racial, o infrator pretende atingir uma vítima específica, não utilizando aquele elemento depreciativo para se referir a determinado grupo, como ocorre no racismo. Acontece, por exemplo, quando se xinga uma pessoa específica de “macaco”, em razão da cor de sua pele.

O crime de racismo, por sua vez, guarda relação com uma conduta propriamente discriminatória, em razão dos mesmos elementos, mas que é dirigida a determinado grupo ou à coletividade, normalmente não se relacionando com um xingamento específico, mas sim com várias condutas. Nesse caso, a Lei 7.716/89 criminaliza uma série de ações, como por exemplo impedir acesso a determinado local, obstar emprego. Para comparar com a injúria, ocorreria racismo, por exemplo, se o xingamento de “macaco”fosse direcionado a todas as pessoas de determinada cor de pele, ou ainda, a um determinado grupo de pessoas, também em razão de sua cor de pele. 

Diferentemente da injúria racial, o crime de racismo é inafiançável e imprescritível, ou seja, aquele que comete o delito não tem direito ao pagamento de fiança e tampouco corre em seu favor a prescrição.

Dois casos famosos relacionados ao tema foram os julgamentos do Habeas Corpus nº. 84.424, em 2004 e a ADO nº. 26, em 2019, ambos pelo Supremo Tribunal Federal. O primeiro é conhecido comumente como “caso Ellwanger”, em que o Tribunal manteve a condenação de Siegfried Ellwanger pela autoria de livros publicados com ideias preconceituosas e discriminatórias contra a comunidade judaica, alegando que o holocausto não teria ocorrido. O segundo, e mais recente, foi a equiparação da conduta de homofobia ao crime de racismo, através do julgamento da ADO 26, em junho de 2019.

Nesses dois casos, por serem as condutas direcionadas a um grupo de pessoas, o Supremo Tribunal Federal enquadrou-as como crime de racismo.

Camila Martins: advogada mestranda em Direito na área de Estado, Jurisdição e Poder. Especialista em Direito Penal Econômico pela Faculdade de Direito de Coimbra – Portugal. Especialista em Direito Penal e Processual Penal