BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – No meio de uma disputa interna que já rendeu 15 demissões no MEC (Ministério da Educação), a saída de Marcus Vinicius Rodrigues da presidência do Inep (Instituto Nacional de Estudos Educacionais) é a primeira com o caráter de punição. Rodrigues, no entanto, reforça que a decisão de suspender a avaliação federal de alfabetização, fato que valeu seu desligamento na terça-feira (26), não veio dele, mas, sim, do próprio ministério.

Em entrevista à Folha de S.Paulo, ele critica a falta de projeto da pasta e o próprio ministro. Segundo ele, Vélez “apresenta muitos limites no que diz respeito à gestão e também à sua formação em educação”. Na Câmara, Vélez disse nesta quarta-feira (27) que o presidente do Inep foi demitido porque “puxou o tapete” dele.

Rodriguez devolve: “Quem está puxando o tapete é o próprio ministro diante da sua limitação em gestão”.

O ex-presidente do órgão ressalta que o pedido para cancelar a avaliação de alfabetização foi dada expressamente, por escrito, pelo secretário de Alfabetização, Carlos Nadalim, poupado pelo ministro. O secretário é ex-aluno de Olavo de Carvalho, cujos seguidores têm comandado disputa por cargos e influência na pasta.

Além de suspender a prova de alfabetização, a portaria de segunda-feira (25) trazia as regras para a realização do Saeb, avaliação federal usada para o cálculo do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação). Toda a portaria foi tornada sem efeito nesta terça.

Ligado aos militares, Rodrigues é professor da FGV e acompanha as discussões da área desde o meio do ano passado. “Com minha saída, posso explicitar os problemas que toda mídia e a sociedade brasileira estão sentindo desde janeiro”, diz Rodrigues.

O general Francisco Mamede de Brito Filho deve assumir o cargo. Ele é chefe de gabinete do órgão.

Pergunta – O ministro insistiu que o senhor não o avisou, eximiu o secretário de Alfabetização, e declarou que o senhor “puxou tapete” dele. Como o senhor encara essa situação?

Rodrigues – O ministro tem o secretário de alfabetização [Carlos Nadalim], que além de ter participado de todas as reuniões, mandou um ofício. O ministro chegou a citar o ofício? Há três semanas a gente vem discutindo a portaria com várias reuniões no MEC. Essa decisão foi feita no MEC, não no Inep. O Inep avalia, mas quem decide o que eu vou mediar e avaliar é o MEC. Terça-feira passada [dia 19] a minuta da portaria ficou pronta e foi apresentada a mim. Eu senti falta da alfabetização e questionei porque o [o ex-secretário-executivo Luiz Antonio] Tozi falava muito sobre isso. A equipe questionou e ele [Nadalim] disse que era aquilo mesmo. Como sempre faço, pedi por escrito e o Nadalim fez o documento. Ele diz no documento que vai fazer a medição na alfabetização em outro momento. Dentro das obrigações do presidente do Inep, não preciso apresentar minhas portarias para o ministro. Eu não puxei o tapete de ninguém. Não tenho o perfil de puxar o tapete de ninguém. Quem está puxando o tapete é o próprio ministro diante da sua limitação em gestão.

O senhor entende que foi demitido injustamente?

Rodrigues – Minha demissão ocorreu e penso que foi até oportuna. Oportuna porque a minha demissão pode fazer com que os governantes abram os olhos para o que está sendo feito na educação do Brasil e para os perigos que estamos cometendo com a gestão do ministro Ricardo. O que eu estou fazendo é a busca da melhoria do país. Com minha saída, posso explicitar os problemas que toda mídia e a sociedade brasileira estão sentindo desde janeiro.

Como o senhor vê o ministro?

Rodrigues – O ministro Ricardo é uma pessoa do bem, com muita boa vontade, mas apresenta muitos limites no que diz respeito à gestão e também à sua formação em educação. Não é educador nem gestor. Penso que, com o presidente Bolsonaro e com este governo pelo qual trabalho desde julho [de 2018], poderíamos ter buscado um nome técnico ou um gestor para que pudéssemos de fato melhorar a educação do Brasil.

O MEC tem um projeto ou o senhor vê uma paralisia de ações?

Rodrigues – Se tem ações, eu não conheço. Sei que há ações dentro do FNDE [Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação Básica], na EBSRH [Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares], muitas dentro do Inep. De ações do ministério que conheço só tem o plano de alfabetização [minuta do plano indica preferência a um método de alfabetização, o que foi criticado].

O professor Ricardo é muito honesto. A Lava Jato da Educação [um protocolo interministerial de intenções lançado pelo governo] é muito importante, temos que combater a corrupção. Sou a favor. Mas o maior desafio é criar métodos de gestão para evitar que novas ações de corrupção venham a acontecer. Se você é um gestor, não dirige olhando para o retrovisor. Temos que olhar para frente. Porque se continuar dirigindo pelo retrovisor não vamos atingir lugar nenhum.

Há vários grupos dentro do MEC, de militares, ao qual o senhor se associa, técnicos e de seguidores de Olavo de Carvalho. Isso tem atrapalhado?

Rodrigues – Não estamos falando em conhecimento. Sejam os alunos de Olavo, do Ricardo, ou de quem quer seja, poderíamos ter trabalhado juntos se tivéssemos uma direção. A partir do momento que não temos planejamento, plano diretor, ações definidas e focadas, qualquer grupo que esteja inserido não vai apresentar resultados.

O problema não são os grupos.

Se você verificar em algumas escolas do país com sucesso, verá que muitas delas sãos comandadas por gestores. Porque o gestor tem que ter uma visão macro. Isso falta ao professor Ricardo, apesar de sua bondade, de ser uma pessoa de bem.

Qual perfil das pessoas que o ministro apresentou para sua equipe?

Rodrigues – Toda a direção do Inep que o ministro apresentou eu barrei. Não quero falar em nomes. Mas todos tinham bom currículo, mas postura ideológica acentuada. E postura ideológica acentuada não é compatível com gestão. Foi o professor Marcus Vinicius que impôs a diretoria [o governo chegou a nomear Murilo Resende, seguidor de Olavo de Carvalho, para uma diretoria do Inep mas voltou atrás após má repercussão].

Com a portaria do Saeb suspensa neste momento, o senhor acredita que há risco para a realização da avaliação das escolas neste ano?

Rodrigues – Ate sexta-feira passada [22] tudo estava sob controle. Mas penso que ações não planejadas e a falta de comunicação que causou esse problema tendem a atrapalhar. Não posso dizer [se haverá impacto] porque estou fora. No entanto, existe um ponto mais grave. O que aconteceu foi muito ruim para o clima do Inep. Fiz reuniões com todos os funcionários, criei um clima bom e as notícias que tenho é que muitos funcionários estão chateados e preocupados. Isso pode trazer no momento seguinte resultados ruins.

Na comissão de Educação, parlamentares defenderam a saída do ministro. Há clima para ele continuar?

Rodrigues – Quem pode responder é o presidente Bolsonaro.

O senhor pretende continuar no governo?

Rodrigues – Eu trabalhei por esse governo desde julho passado, participando das reuniões com vários profissionais inclusive militares. Não descarto a participação no governo em um momento futuro, mas agora não. Eu acredito no governo. Vou até contribuir mais do que se estivesse dentro do Inep.