Um novo passo para o combate ao racismo no futebol foi dado na última terça-feira. Em um ato sem precedentes na Liga dos Campeões, os jogadores de Paris Saint-Germain e Istanbul Basaksehir decidiram deixar o campo de após o quarto árbitro, Sebastian Coltescu, ter sido acusado de proferir uma ofensa racista. O duelo foi adiado para esta quarta-feira e a Uefa teve de mudar toda arbitragem da partida.

Em geral, o racismo no futebol é visto com indignação, mas a revolta dos atletas no jogo entre franceses e turcos não são frequentes. No geral, as punições a casos de discriminação racial no esporte são brandas e em algumas ocasiões, nada acontece. O Estadão relembra outros episódios de racismo em campo e o que foi feito depois.

Há 15 anos o ex-jogador Grafite, hoje comentarista do Grupo Globo, foi chamado de “negro de m…” por Leandro Desábato, do Quilmes. Naquela ocasião, algo pouco comum aconteceu. O jogador argentino foi levado a uma delegacia ao término da partida e lá passou duas noites. Ele foi liberado na tarde de sexta-feira, após seus advogados pagarem R$ 10 mil de fiança.

“Estivemos com ele. Está bem fisicamente, mas em nenhum momento se mostrou arrependido. Ele inclusive admitiu textualmente o que disse e realmente ofendeu o jogador. Ele chamou Grafite de ‘macaco’, ‘negrinho’ e mandou enfiar a banana em um lugar do corpo que eu não posso repetir para vocês agora”, disse Marcos Antonio Vito Alvarenga, presidente da Comissão de Negros e Assuntos Anti-Discriminatórios da OAB-SP, na época.

Nem sempre o crime passa impune. Normalmente, o time relacionado à conduta racista é multado ou tem de atuar com os portões fechados por um determinado intervalo de tempo. Foi o que aconteceu em 2018, quando Inglaterra e Montenegro se enfrentaram pelas Eliminatórias da Eurocopa.

Os ingleses Raheem Sterling, Hudson-Odoi e Danny Rose foram ofendidos pela torcida adversária. Como punição, a Uefa determinou que Montenegro pagasse uma multa de 20 mil euros (aproximadamente R$ 125 mil, na cotação atual) e jogasse a próxima partida sem torcida.

No final do mesmo ano, uma banana foi atirada em direção ao atacante do Arsenal Pierre-Emerick Aubameyang, durante uma partida contra o Tottenham. Quatro anos antes, o mesmo aconteceu com o brasileiro Daniel Alves, então jogador do Barcelona – hoje no São Paulo – durante uma partida contra o Villarreal. Naquela ocasião, ele comeu a banana e o clube associado ao ato racista foi multado em 12 mil euros (R$ 75 mil).

Ainda em 2014, no entanto, uma punição mais severa aconteceu no Brasil. Grêmio e Santos se enfrentaram pela Copa do Brasil, quando torcedores do clube gaúcho passou a chamar o goleiro Aranha, da equipe alvinegra, de “macaco”. A CBF analisou o caso e decidiu eliminar o Grêmio da competição. Uma torcedora foi flagrada nas câmeras ofendendo o jogador.

Algo similar ao ocorrido entre Paris Saint-Germain e Istanbul já havia acontecido em 2019, no Campeonato Francês. Durante uma partida entre Amiens e Dijon, o zagueiro Prince Gouano foi chamado de macaco por um torcedor da equipe adversária. O defensor decidiu deixar o gramado e os demais jogadores o acompanharam. Eles voltaram cinco minutos mais tarde e encerraram a partida, que estava próxima do fim.

“Estamos no século 21, isso é inadmissível. A cor não importa, somos todos humanos. A certa altura, percebi um torcedor fazendo barulho de macaco, olhei para ele e questionei: ‘É isso mesmo?’. Ele continuou e eu avisei ao juiz que iria levar meu time para o vestiário. Eu fiz isso não só por mim, mas por todos que são vítimas, porque isso não pode continuar. Isso tem que acabar”, disse Gouano, em entrevista à emissora beIN Sports, que transmitia a partida.

Em janeiro deste ano, Mario Balotelli foi alvo de ofensas racistas da torcida da Lazio. Na época, ele vestia a camisa do Brescia. A partida foi interrompida por alguns minutos e posteriormente retomada. Dois meses antes, o jogador já havia passado por uma situação parecida diante do Verona e ameaçou deixar o gramado. O presidente do Brescia foi racista ao comentar o caso. “Balotelli é negro, está trabalhando para clarear, mas está com dificuldade”, disse antes de uma coletiva de imprensa.

O próprio Neymar, que se recusou a permanecer em campo nesta terça-feira, também esteve relacionado a um episódio de racismo meses atrás. Ele acusou o zagueiro Álvaro González, do Olympique de Marselha, de ter lhe chamado de macaco. A comissão disciplinar da Liga de Futebol Profissional da França (LFP) não puniu o acusado.

“Depois de examinar o processo, ouvir os jogadores e os representantes dos clubes, a Comissão constata que não dispõe de elementos de prova convincentes suficientes que lhe permitam estabelecer a materialidade dos fatos das observações discriminatórias do jogador Álvaro González contra Neymar Júnior durante a partida, nem de Neymar Júnior contra Álvaro González”, disse, a LFP, em nota, na época.