A Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC) realizada nesta sexta-feira, 11, e ontem, 12, em São Paulo serviu de plataforma para a pavimentação da candidatura do presidente Jair Bolsonaro à reeleição em 2022.

Um dos principais temas do evento – versão brasileira do maior encontro conservador dos Estados Unidos – foi a necessidade de unidade da direita, que vive hoje, um ano após a eleição de Bolsonaro, uma série de disputas nas redes sociais e riscos de cisão do PSL, partido do presidente. Palestrantes recorreram à “ameaça de volta da esquerda” ao poder como argumento em favor da unidade da direita.

Coube à ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos, Damares Alves, fazer o discurso com o mais forte teor eleitoral. “Isso aqui vai dar tão certo que vamos ficar 4, 8, 12 anos”, disse ela. “Estou falando de reeleição, sim. Quatro anos não bastam para mudar. Precisamos de 12 anos”, completou a ministra.

Damares pediu que os participantes do evento começassem a organizar candidaturas a prefeito e chapas de vereadores em suas cidades com vistas às eleições do próximo ano. Segundo a ministra, se Bolsonaro não aceitar a tarefa de continuar no governo, a direita precisa encontrar outro nome como candidato para não deixar que os adversários, a quem ela comparou com o “cão”, voltem ao poder.

A recomendação de Damares já vem sendo seguida pelos participantes da CPAC. “Vamos lançar candidaturas em umas 20 ou 30 cidades”, disse o assessor parlamentar Nokolas Ferreira, 23 anos, coordenador do movimento Direita Minas.

A ameaça de a esquerda voltar ao governo foi usada também pelo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que chegou a chorar duas vezes durante sua fala ao fazer um apelo pela unidade da direita. “Temos de nos unir e superar divergências. Pelo amor de Deus, temos a chance de nossas vidas. Para nunca mais permitir que essa gente [A ESQUERDA] volte e faça o que eles fizeram.”

Assessor especial da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins afirmou que Bolsonaro representaria hoje “um símbolo aglutinador por tudo que lutamos”. “Pensem só no que vai acontecer com cada um de nós quando – quando não, porque isso não vai acontecer -, mas caso o nosso presidente fosse tirado do poder?”

Disputa

O discurso de união da direita para enfrentar a esquerda tem como pano de fundo a disputa entre o grupo político de Bolsonaro e o deputado Luciano Bivar (PE), presidente do PSL, pelo controle do partido. Segundo auxiliares, Bolsonaro avalia deixar a sigla e tenta encontrar uma brecha jurídica para evitar que os parlamentares que o acompanharem numa eventual saída não fiquem sem mandato. Nessa disputa, Bolsonaro já pediu a Bivar uma relação completa de fontes de receitas e despesas do PSL, com o objetivo de submeter o material a uma auditoria externa.

Na tentativa de evitar a consumação do racha, o líder do PSL no Senado, Major Olímpio, disse ontem que vai tentar marcar reunião entre Bolsonaro e a liderança do partido. Segundo ele, depois que a crise se tornou pública, ele e Bivar não conversaram com o presidente. “Não tivemos oportunidade de conversar. Possivelmente, conversaremos no início da semana, a partir de segunda-feira. Talvez a gente converse em São Paulo. Espero que avance positivamente”, disse ele, que vê na crise a interferência do deputado Eduardo Bolsonaro (SP) e do senador Flávio Bolsonaro (RJ), filhos do presidente.

‘Batalha’

Ainda na sexta-feira, na abertura da CPAC, Eduardo disse que o objetivo do encontro era construir uma organização conservadora para atuar no Brasil e na América Latina. “A eleição foi só a primeira batalha e, sem a ajuda de vocês, a gente vai perder essa guerra”, afirmou. “A gente quer fazer da tsunami de 2018 uma onda conservadora permanente.”

Durante os dois dias da conferência, os 1.200 participantes discutiram formas de difundir temas como a liberdade econômica e o combate ao “globalismo” e ao “climatismo”. Em discurso feito ontem, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que “o climatismo está para a mudança climática assim como o globalismo está para a globalização”. Ele ainda criticou a ONU, a ativista sueca Greta Thunberg e até o filósofo iluminista francês Voltaire – que “começou a querer lacrar” quando teria desrespeitado “a fé e a monarquia francesa”.

Ao contrário dos EUA, onde a CPAC reúne vários setores da direita, a versão brasileira ficou restrita à ala mais ideológica do bolsonarismo, representada pelos discípulos do escritor Olavo de Carvalho. O evento contou com a participação de algumas estrelas do conservadorismo dos EUA, como o senador Mike Lee, a ativista Katty Dillon e o presidente da American Conservative Union (ACU, entidade que criou a CPAC), Matt Schlapp, que também defendeu a necessidade de união da direita.

‘Udenismo’ em disputa

Um dos possíveis destinos da família Bolsonaro em caso de rompimento com o PSL, a UDN é alvo de uma disputa judicial pela marca da sigla de direita, criada em 1945 para se opor a Getúlio Vargas e extinta pelo Ato Institucional n.º 2, em 1965. Tramitam no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) duas tentativas de criação de partido com o mesmo nome: União Democrática Nacional (UDN).

Enquanto uma das iniciativas, do capixaba Marcus Alves de Souza, é feita pela via tradicional – coleta e homologação de assinaturas -, outra, do advogado Marco Antonio de Vicente Junior, visa desfazer a extinção da antiga UDN pelo AI-2, batizar a legenda de “Nova UDN” e convocar uma convenção para eleger seus diretores.

Vicente Junior entrou em maio desse ano com uma ação contra a extinção da antiga sigla. O processo foi distribuído para o ministro Edson Fachin, que pediu, em agosto, parecer da Procuradoria-Geral Eleitoral (PGE), que ainda não foi entregue. Diante da indefinição, interlocutores dos Bolsonaros abriram conversas nas duas frentes.

A articulação, porém, está mais avançada com a UDN de Alves, que diz já ter coletado as assinaturas necessárias e estar na fase final do rito. A disputa pela “marca” envolve acusações mútuas e foi alvo até de um boletim de ocorrência. “Ele (Vicente) começou a se passar por presidente da UDN nos Estados e deu até posse (em diretórios). Entramos com B.O. pelo uso do nome indevidamente”, disse Alves ao Estado.

“Não tem possibilidade disso (a criação da UDN rival) acontecer. Em fevereiro, fiz a primeira conversa (com os Bolsonaros). O Marcos Alves me convidou para ir com ele, mas não tive interesse de prosseguir”, rebate Vicente Júnior.

Para o advogado Alberto Rollo, especialista em direito eleitoral, a criação, refundação ou fusão de partidos seria uma justa causa para que deputados migrassem de outras legendas sem correr o risco de perder o mandato. “A refundação é uma desculpa para criar um partido sem passar pelas mesmas regras, mas existem precedentes. Foi o caso do PTB e MDB, por exemplo. São 11 ministros no STF e 7 no TSE. Eles podem aplicar a analogia dos partidos de antes de 1988”, afirmou.

Leilão

Ao falar sobre seus planos, Marcus Alves afirma que entre 30 e 35 deputados e 8 a 10 senadores “estão certos” para migrar para UDN após a homologação. Mas não fala em nomes, segundo ele, para não prejudicar a estratégia. “A gente teria um generoso Fundo Eleitoral para 2020. Passa dos R$ 100 milhões”, afirmou o dirigente.

Em fevereiro, o Estado revelou que os filhos do presidente Jair Bolsonaro negociavam migrar para a UDN, em fase de criação. Procurado, Eduardo Bolsonaro não se manifestou até a conclusão dessa edição.

Outro cenário ventilado pelo clã Bolsonaro é criar um novo partido, mas isso seria arriscado. “Não daria tempo até abril. Há um trâmite de registro, fazer edital, convocação, publicar no diário oficial. Tem cartório que está há 40 dias com as assinaturas”, avalia Alves.

Já Vicente enviou uma “carta convite” para Bolsonaro, deixando claro que a sigla estaria disponível nas eleições municipais de 2020, que serão decisivas para capilarizar a força política da família nas cidades. “O que foi ventilado nas conversas foi eles tomarem a frente da sigla, principalmente na época das eleições. Seria pertinente o presidente indicar alguém de sua confiança”, afirmou.

Questionado sobre a insegurança jurídica da sigla, o dirigente diz que a UDN preenche todos os requisitos constitucionais e administrativos para funcionar. “PSB e PTB voltaram a funcionar (depois do AI-2). A UDN foi a única sigla que permaneceu adormecida”, argumentou.

Em comum, Alves e Vicente exaltam as lideranças históricas da antiga UDN, como Carlos Lacerda, Afonso Arinos, Oswaldo Aranha.

Criada para se opor a Getúlio

A União Democrática Nacional (UDN) foi fundada em 7 de abril de 1945 em oposição a Getúlio Vargas. De orientação conservadora, seu lema era uma frase apócrifa de Thomas Jefferson: “O preço da liberdade é a eterna vigilância”. O símbolo era uma tocha acesa.

O udenismo defendia o liberalismo clássico, a moral conservadora e tinha um discurso contra a corrupção. A UDN tinha líderes como o brigadeiro Eduardo Gomes, que disputou (e perdeu) duas eleições presidenciais pela sigla, o jurista Afonso Arinos e os ex-governadores Carlos Lacerda (Guanabara), Juracy Magalhães (Bahia) e Magalhães Pinto (Minas).

Em 1960, o partido apoiou a eleição de Jânio Quadros, eleito presidente, e, em 1964, a deposição do governo de João Goulart. Após o golpe militar de 1964, muitos quadros da UDN migraram para a Aliança Renovadora Nacional (Arena). No entanto, sua principal liderança, o jornalista Carlos Lacerda, apesar de ter sido um dos líderes civis do golpe, voltou-se contra ele em 1966, com a prorrogação do mandato do presidente Castelo Branco. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.