Caro leitor, fazer uma análise de um movimento como este que estamos presenciando no Brasil nos últimos dias é uma tarefa bem difícil, contudo, mesmo correndo o risco de ser mal interpretado devido às paixões envolvidas, geralmente expressadas com fúria pertinaz nos tribunais das redes sociais, é necessário tentar lançar algumas luzes sobre este momento sombrio no qual a pátria agoniza. Feitas estas observações, segue algumas reflexões sobre o movimento dos caminhoneiros e alguns princípios republicanos que devem prevalecer nestes momentos de crise.
Em primeiro lugar, deve-se ter em mente que este movimento é justo em suas reivindicações, afinal, a situação dos caminhoneiros e de toda classe trabalhadora é alarmante e desesperadora já há algum tempo. A política populista adotada nos últimos anos no Brasil desencadeou esta crise, pois a irresponsabilidade com as contas públicas e a transformação da Petrobras num balcão de negócios para atender a interesses político-partidários destruiu a credibilidade de uma empresa que era um orgulho para a nação, portanto, há de se registrar que esta crise não começou há pouco mais de uma semana, ela foi sendo engendrada em cada acordo espúrio envolvendo o Estado dirigido por corruptos e empresas bandidas que viam no capitalismo de compadrio a fórmula de sucesso para alavancar o Brasil, que tinha aos olhos destes, adquirido um “bilhete premiado de loteria”, chamado pré-sal. Hoje é possível verificar que neste jogo de azar, a única coisa que estava sendo apostada era o futuro do Brasil e, nós infelizmente perdemos este jogo.
Em segundo lugar, é preciso registrar que estamos fechando uma era e iniciando outra. Refiro-me à organização da classe trabalhadora. Parece que chegamos ao fim da era do sindicalismo vinculado a grupos partidários. Este tipo de sindicalismo iniciado em fins dos anos setenta do século XX no Brasil está sendo rechaçado pelas lideranças populares deste movimento atual de caminhoneiros. Nenhum sindicato ligado às grandes centrais sindicais conseguiu com seus movimentos grevistas ao longo de décadas, chegar próximo das ações dos caminhoneiros nestes últimos dias. O Brasil está parado de uma forma inédita em sua história. O movimento grevista dos caminhoneiros é difuso e de grande alcance, pois conta com o apoio popular que no passado esteve junto ao sindicalismo de grupos partidários. No movimento atual não se veem bandeiras de grupos políticos e muito menos as velhas lideranças do antigo sindicalismo. Há uma verdadeira aversão aos políticos de sempre e aos partidos existentes. Contudo, restam algumas dúvidas. Qual é a real participação dos empresários neste movimento de caminhoneiros? As lideranças anônimas e múltiplas do movimento grevista dos caminhoneiros, após acumularem capital político devido à greve, sucumbirão ao assédio dos partidos políticos? Quantos deles serão candidatos a cargos públicos em outubro deste ano?     
Em terceiro lugar, a despeito de se gostar ou não do governo atual, é necessário reconhecer que – talvez devido ao seu raquitismo político – ele cedeu nos pontos essenciais das reivindicações dos grevistas. Pensando de forma republicana e deixando de lado a ideia de “quanto pior, melhor”, chegou a hora dos grevistas pensarem de maneira sensata na nação. Eles já são os grandes heróis da nação neste momento e, portanto, devem sair de cena de maneira estratégica para não manchar esta reputação. A mesma população que os exalta neste momento, quando sentir a falta de comida na mesa ou perder entes queridos em hospitais devido à greve, passará a vê-los como inimigos da pátria, e uma segunda edição deste movimento talvez nunca mais seja possível, com o mesmo apoio popular de agora. O caos não é bom para ninguém. Grandes conquistas republicanas não se fazem com radicais e nem com grandes rupturas, mas com continuidades de projetos racionais e sensatos, que visam a construção a longo prazo do bem comum e do espaço público que inclui os segmentos sociais. Grandes mudanças são esperadas a partir de outubro de 2018, quando de forma democrática a nação dirá um grande “não” a esta forma esculhambada de fazer política, por enquanto, basta que eles saibam que o Brasil está atento.

Gerson Leite de Moraes, professor de Ética e Filosofia Política da Universidade Presbiteriana Mackenzie