DIOGO BERCITO
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS) – Desde que assumiu o cargo de primeira-ministra do Reino Unido em julho de 2016, Theresa  May tem insistido em que o “brexit” -a saída britânica da União Europeia- é irreversível.
Ela vem sendo contrariada, no entanto, pelo debate público. A ideia de repetir o plebiscito sobre o divórcio circula cada vez mais frequentemente no país. Ainda é improvável, mas não impossível.
A consulta original em junho de 2016 foi vencida pelo sim com quase 52% dos votos. Uma pesquisa do jornal britânico “Guardian” aponta agora que, caso fosse repetido, o plebiscito teria o resultado oposto: venceria o não com 51%.
A mesma sondagem, conduzida pela empresa ICM, mostra que 58% dos entrevistados querem votar nos termos do “brexit” quando as negociações tiverem sido encerradas -essa fatia da população faz questão de decidir, por exemplo, que acordos comerciais serão mantidos entre Reino Unido e União Europeia. Já os 42% restantes preferem não participar de nenhum outro plebiscito.
A pesquisa ICM reproduzida pelo “Guardian” em 26 de janeiro foi realizada a partir de 5.075 entrevistas feitas de 10 a 19 de janeiro deste ano. A empresa não divulgou a margem de erro.
A perspectiva de votar outra vez foi surpreendentemente levantada mesmo por aqueles que defendem a saída britânica. O nacionalista Nigel Farage, um dos líderes da campanha do brexit, disse que repetir o plebiscito finalmente encerraria as dúvidas.
Depois de líderes da União Europeia terem repetido que aceitariam a mudança de opinião, revertendo o processo do “brexit” se necessário, Farage voltou atrás em sua proposta de repetir a consulta. Mas, no meio-tempo, a questão já havia sido discutida pela imprensa local, levantando os prós e contras de votar outra vez.
NEGOCIAÇÕES
O debate público coincide com uma campanha desastrosa nas tratativas com o bloco europeu. A primeira-ministra May amargou uma série de derrotas à mesa de negociação, incluindo ter de se comprometer formalmente a não reerguer controles de fronteira entre a Irlanda do Norte (território britânico) e a Irlanda (um país-membro da União Europeia).
Outro dissabor para o governo britânico foi a decisão europeia, tomada nesta semana, de oferecer um período de transição após o brexit com termos tidos como inaceitáveis pelo Reino Unido: o país continuaria sujeito às leis europeias até o fim de 2020, mas perderia seu direito ao voto dentro do bloco. Um líder conservador disse que tal oferta transformaria o Reino Unido em um “Estado vassalo” da União Europeia.
Agravando a situação, e atiçando a opinião pública, foi vazado na terça-feira (30) um documento interno do governo britânico sugerindo que deixar a União Europeia terá um impacto negativo à economia em todos os cenários previstos -se o “brexit” acontecer sem nenhum acordo com o bloco europeu, a renda britânica pode ser reduzida em até 8%, diz o relatório.
O ministro do “brexit”, David Davis, tinha anteriormente dito ao Parlamento que seu gabinete não tinha nenhum estudo sobre o impacto econômico da separação. A oposição respondeu nesta semana dizendo que o papel existia, mas era negativo demais, e criticou o governo por escondê-lo.
“Não surpreende que o governo tenha repetidas vezes se negado a publicar qualquer análise séria sobre o ‘brexit’, pois seu próprio estudo de impacto mostra o que é óbvio há muito tempo: que seu plano desajeitado para abandonar o mercado único e a união alfandegária nos deixa em uma situação muito pior do que antes”, disse o parlamentar trabalhista Chris Leslie.
Segundo a pesquisa divulgada pelo Guardian, 43% dos britânicos acreditam que o “brexit” terá um efeito negativo à economia, contra os 32% que esperam um impacto positivo.
PROCEDIMENTO
Não há nenhum marco legal para estipular se o Reino Unido pode repetir o plebiscito, e tampouco se sabe como seria a reversão do “brexit”. Toda essa experiência é inédita -nunca antes um país deixou a União Europeia, e as negociações têm sido descritas como as mais complexas desde o fim da Segunda Guerra Mundial em 1945. A ausência de regras claras dá esperança aos remainers (aqueles que querem permanecer na União Europeia) de que podem de fato vencer.
A convocação de outro plebiscito provavelmente dependeria dos legisladores de oposição. Os trabalhistas, no entanto, têm defendido a continuidade do “brexit”, pedindo apenas que o divórcio seja feito em termos menos dramáticos -eles temem perder votos, se mudarem de opinião.
Legisladores também terão algum poder quando o governo britânico pedir, ao fim das negociações, que o Parlamento dê seu aval para os acordos travados com a União Europeia.
O problema é que o “brexit” está, em tese, agendado para março de 2019, o que significa que a margem de manobra é bastante restrita. O risco de bloquear o “brexit” no Parlamento é que, com isso, o Reino Unido pode ser obrigado a deixar a União Europeia antes de assinar qualquer acordo comercial futuro. Esse é o cenário mais negativo à economia britânica, segundo as previsões de impacto.