SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A cantora Rita Cadillac, 64, fez sua estreia nos palcos na última semana e já teve que ficar nua em uma das cenas do espetáculo "Luz del Fuego". Isso para dar vida a uma das mulheres mais polêmicas da história nacional, a dançarina que dá nome à peça e foi a primeira nudista da América Latina.

"Emprestei meu corpo para essa personalidade de vanguarda. É duro tirar a roupa do nada. Foi difícil ficar nua na frente de todos, nos ensaios e para a plateia. Mas [a personagem] pede isso. Afinal, ela morava em uma ilha de nudismo", conta Rita, que interpreta Luz del Fuego, codinome de Dora Vivacqua (1917-1967), em sua fase de decadência. 

"É ela no palco, não eu. Quem espera ver Rita Cadillac, pode esquecer. Luz, sem dúvidas, foi uma mulher à frente do seu tempo, que venceu vários preconceitos", afirma a eterna chacrete, que comenta sobre sua estreia no teatro. "Perdi a virgindade do palco", brinca.

Impossível não comparar a vida das duas artistas, que têm tanto em comum. Ao romperem com tabus da sociedade e usarem seus corpos como instrumento de trabalho por meio da dança, ambas enfrentaram o machismo e sofreram perseguição, afirma Julio Kadetti, que assina o texto da montagem, em cartaz até 21 de outubro, no teatro Teatro Jaraguá, na Bela Vista, região central de São Paulo.

"Elas foram perseguidas pela ditadura militar, foram incompreendidas por suas famílias e romperam a moral da sociedade, pagando um preço alto por isso. Elas têm o mesmo discurso: são a favor do aborto e até foram chamadas de prostitutas, por serem dançarinas", afirma Kadetti.

Rita Cadillac vê semelhanças nos preconceitos que ela própria sofreu, assim como a personagem que interpreta no palco. "São algumas coincidências: somos bailarinas e queremos ser felizes. Assumimos as coisas como elas são e metemos a cara. Ah, e amamos os animais". Ela também lembra que começou a carreira durante o período da ditadura militar (1964-1985). "Foi difícil".

A atriz, que ficou conhecida nos anos 1970 por ser uma das chacretes do programa do Chacrinha, e atuar em novelas posteriormente, encarou a estreia com nervosismo. "Nunca tinha atuado no palco. Fiquei nervosa. Nunca estamos preparados, mas encarei e deu certo", afirma Rita, que ensaiou para a peça por um mês e meio. "Tinham que ser seis meses de preparo, mas acho que mesmo assim, teria um frio na barriga."

Para ficar mais parecida fisicamente com a protagonista, Rita conta que usa uma peruca preta. "Não quis tingir o cabelo, porque tenho outros trabalhos em que dependo da minha imagem [com os cabelos loiros]", afirma.

O CONVITE

Rita conta que estava almoçando com Kadetti, que é roteirista da série "Salve-se Quem Puder", em que Rita interpreta uma cartomante, quando recebeu o convite para a peça. "Ele me olhou e disse que queria fazer um pedido. Ele disse: 'Quero que você faça a Luz del Fuego no teatro'. Eu respondi: 'oi?'. Demorou a cair a ficha", diz.

Kadetti complementa. "Ela me perguntou se eu achava que ela seria capaz. Eu respondi que não sabia, que só sabia que era ela. Ela ficou aos prantos", conta ele, que explica o motivo da escolha.

"Durante a gravação do piloto da série, notei que a Rita, apesar de ser uma mãezona para todos, alegre e divertida, tinha uma tristeza no olhar. Quando pesquisei o histórico de vida da Rita, soube que era ela. A Luz del Fuego é lembrada na fase da juventude, quando andava nua. Ela foi uma mulher cheia de atitude e que pagou um preço alto no fim da vida. Ela, assim como Rita, rompeu com a moral da sociedade. Sabia que ela ia conseguir tirar daí a carga dramática necessária para interpretar a protagonista na fase adulta."

Ele conta que Rita chorava nos ensaios quando cometia algum erro. "Ela sofria, mas com o tempo ela decorou as falas e fluiu com mais naturalidade. O mais difícil foi desconstruir a Rita sensual e bonita, para dar lugar à Luz del Fuego decadente."

Rita Cadillac é a protagonista da peça ao lado da atriz Elisa Romero, que aos 24 anos atua na fase jovem da protagonista, que brigou com a família rica e conservadora para depois ser reconhecida por sua contribuição na luta pela emancipação das mulheres.

"Como mulher, é muito bom interpretar essa personagem. A Luz teve muita força, viveu em uma família complicada para ela. Até hoje há meninas reprimidas pela religião, pela cultura da família. Mas ela foi atrás de seus ideais, passou por muita coisa e lutou para ser feliz", afirma Elisa. 

"Como atriz é um presente. E ainda estar com a Rita [Cadillac] é maravilhoso. Ela é uma pessoa muito querida, que deu outra dimensão para a peça. Quando contei pro meu pai, ele disse: 'Opa, quero ver'. Ela me ajudou muito, me ensinou como dançar bem e sensual no palco. A Rita é muito forte e também tem muito a ver com a Luz. Não tem medo de nada. Ela mandou ver na peça, arrasou na estreia", finaliza.

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