Mesmo quem nunca morou no Rio de Janeiro sabe, conhece ou já ouviu falar do morro da Rocinha. Talvez o primeiro contato tenha sido até mesmo através de um samba ou funk – gêneros característicos do estado carioca. Encravado numa área nobre do Rio, a Rocinha tem como vizinho os bairros da Gávea e São Conrado, lugares de bacana, de apartamentos luxuosos, onde os artistas desfilam. Para chegar até a Barra, o point dos novos ricos, de jogador de futebol, invariavelmente você vai passar pela Rocinha.
No pé do morro, está um dos shoppings mais caros e badalados frequentados pelos cariocas. Por estes corredores, os moradores da Rocinha não andam. Se entrar no shopping já são medidos dos pés a cabeça pelos seguranças. Pelo rádio, o comunicado é para que fiquem de olho nos favelados. Nem da vitrine costumam passar perto. O abismo social é flagrante.
O glamour do shopping contrasta com a visão do outro lado da rua. Milhares de barracos amontoados que durante a noite até propiciam um show de luzes – os gatos, ligações clandestinas que, apesar do crime, de fato mostram uma paisagem colorida da noite carioca. Lá dentro tem de tudo: trabalhador, prostituta, estudante, traficante, assassino e até policial. Policiais que moram na Rocinha não podem dar mole. A mulher do policial lava a farda e estende dentro de casa, atrás da geladeira. Ninguém no morro pode saber que o policial que durante o dia trabalha contra o crime, a noite toma uma cerveja com o vizinho e vai colocar a cabeça no travesseiro com medo de ser descoberto. Na Rocinha o policial é alemão – inimigo.
Lá moram quase 100 mil pessoas – assim como na cidade de Pinhais. A Rocinha é um ponto turístico. No guia de viagem dos estrangeiros estão lá os pontos a serem visitados: Cristo Redentor, Bondinho, Copacabana e a Rocinha. A visita, claro, é feita com autorização do dono do morro. A noite, nem pensar. Não entra. Se tentar, leva bala. Tiro de fuzil. Policial só sobe com blindado. Com o caveirão. Ou os policiais arregados – aqueles que desonram a farda que vestem e são cooptados pelo crime. Sobem o morro para ganhar a mesada em troca de não incomodar a atividade dos criminosos.
A polícia do Rio de Janeiro sabe disso tudo. Tem ciência que existem em suas fileiras os arregados do tráfico. Conhecem cada beco da Rocinha. Quem comanda, a mulher do dono do morro, os filhos, onde fica a boca de fumo. Sabe disso tudo. Mas não espere desta polícia que eles subam o morro e expulsem o tráfico da Rocinha. Maus policiais são alimentados por este sistema.
A Rocinha ganhou o noticiário novamente após mais uma tentativa do Estado retomar o comando do morro. Mais com uma diferença: desta vez estes maus policiais não estavam na linha de frente. As forças armadas foram convocadas para fazer um grande cerco. Chegaram até de helicóptero. Os policiais do Exército não conhecem os traficantes. Não conhecem também os becos – o que é uma adversidade. Mas com ele não vai ter o acerto.
Durante todo este processo de invasão a Rocinha algumas coisas ficaram bem claras: o Estado perdeu a guerra contra o tráfico no Morro da Rocinha. E é preciso retomar o terreno. A polícia do Rio de Janeiro, infelizmente, não tem isenção para enfrentar os traficantes. E talvez a que todos saibam, mas poucos acreditam: uma ação coordenada de segurança pode sim expulsar o tráfico da Rocinha.
Prova disso é que na mesma velocidade que chegavam os policiais do Exército, os traficantes traçavam planos para fugir do morro. Bandido não é burro. É impossível que eles vençam esta guerra. São menos treinados e apesar do farto armamento, não são páreos para enfrentar as forças de segurança. Basta ver o balanço da operação: nove presos, 14 fuzis apreendidos, 10 granadas, seis pistolas, quase 3 mil munições, mais de 200 carregadores, além de rádios comunicadores, drogas, celulares, dinheiro e veículos.
Agora nos resta saber o quão sério é este propósito do governo do Rio de Janeiro e federal no enfrentamento do crime. Expulsar o tráfico da Rocinha é possível sim. O problema vai ser mantê-los por muito tempo longe do morro.