Franklin de Freitas – “Jaqueline: u201cAs candidaturas das mulheres su00e3o as u00faltimas a serem construu00eddasu201d”

A professora universitária Jacqueline Parmigiani (PSOL), que concorreu apenas uma vez em uma eleição – foi candidata a prefeita de Toledo, Oeste do Paraná em 2016 – é a essência do PSOL. Ex-petista, é da ala mais madura do partido, tem 53 anos, e faz parte do grupo fundador, desiludido com as práticas da legenda que ocupou a presidência da República por 13 anos. Jacqueline é feminista, antropóloga e acadêmica. Ela reúne os estigmas da “esquerda universitária”. Uma sondagem pouco mais íntima, até invasiva, no entanto, acrescenta complemento à personagem. Ela nasceu na periferia de São Paulo, vivenciou os danos da violência doméstica, e perdeu um irmão gay, vítima da Aids nos anos 1980, quando a doença surpreendeu uma geração. Nos anos 1990, por meio de associações de bairro da periferia de São Paulo, trabalhou como voluntária do Movimento de Alfabetização de Jovens e Adultos (Mova), ligado à trajetória do pensador da Pedagogia Paulo Freire. Como acadêmica na cidade de Toledo, para onde mudou-se com o marido para trabalhar na Unioeste, ela também é pesquisadora e trabalha em uma comunidade indígena guarani no Paraná. Faz parte da ala do partido que lutou pela “co-candidatura” da líder indígena Sônia Guajajara para vice do presidenciável da legenda, Guilherme Boulos. Esse conjunto de características atribui ao discurso de Jaqueline elementos que compõem a ideologia do PSOL. Uma mulher convicta, apegada a princípios e intransigente: “não sou conciliadora”. Ela reconhece as dificuldades para o êxito de sua empreitada como candidata ao Senado, mas afirma que o processo faz parte da construção do partido.
 

Bem Paraná – A senhora concorreu à prefeitura de Toledo em 2016, na sua primeira eleição, e ficou em último lugar, com 891 votos (1,19%). Uma candidatura ao Senado não é apenas uma tentativa de ter mais recursos, um trapolim, para que seu nome chegue com mais força na sua cidade para disputar a eleição municipal novamente?
 

Jacqueline Parmigiani – Não queria pensar assim. Acaba sendo. Você sabe que expõe a pessoa, o nome, a figura do candidato, da candidata. Mas não é o tipo de leitura que eu faço, não é por isso que coloquei meu nome.
 

BP – Por que você resolveu se candidata ao Senado?
 

Jaqueline – Foi uma construção. Faço parte de uma organização interna do PSOL, chamada Comuna. É um grupo socialista, trotskista, ligado à Quarta Internacional. A candidatura foi construída por essa força, mas não só por ela. A gente montou uma chapa para disputar a convenção partidária junto com a Alvorada Popular, que é o grupo do Thiago Bagatin, que foi nosso pré-candidato dentro do PSOL ao governo do Estado. Meu nome foi colocado, porque de alguma maneira, dentro da Comuna, aqui no Estado tenho uma trajetória, um trabalho respeitado pela militância, muito embora as pessoas de fora não conheçam. É muito lógico que a força tenha uma tendência a querer projetar determinados nomes, que tenham uma certa projeção, mesmo que limitada. Em Toledo, apesar de ter ficado em último lugar, o PSOL tinha seis militantes ativos naquela campanha. A gente fez a campanha com R$ 2 mil. É um processo de construção do partido.
 

BP – É uma forma de utilizar o fundo eleitoral, para duas candidaturas a duas vagas no Senado? Quanto de recurso terá sua candidatura? Você é a favor do fundo?
 

Jacqueline – Sou a favor do financiamento público. É só a gente pensar no que aconteceu recentemente em torno o financiamento de campanha de Beto Richa.
 

BP – No PSOL a distribuição do repasse foi justa?
 

Jacqueline – No Paraná, para o governo do Estado, R$ 14 mil, as campanhas do Senador terão R$ 14 mil divididos por dois; até agora se a gente distribuir pelo número de pré-candidatos que aparece a deputado ou deputada estadual, R$ 1,5 mil para cada um. A gente mal vai conseguir pagar as custas da própria eleição, com advogado, contador, produção de algum material para TV. Para deputado federal vai chegar a R$ 5 mil, talvez menos. Vai ter uma proporcionalidade para mulheres.
 

BP – Conseguiu arrecadar alguma coisa com vaquinha virtual? Qual sua expectativa?
 

Jacqueline – A gente tinha colocado uma expectativa de R$ 20 mil até começo das eleições. Devo estar com R$ 1 mil até agora. Importante saber que a minha candidatura é feminista. As candidaturas das mulheres são sempre as últimas a serem construídas e dessa vez, porque é uma candidatura para o Senado, e a conferência que definiu meu nome acabou saindo junto, mas normalmente, nas campanhas proporcionais, elas (as mulheres) vão ser sempre as últimas. Então são as que tem menos recurso, menos construção, mas dificuldade de se consolidar.
 

BP – O Senado tem pela frente uma demanda grande, de reformas, e que deve ter frentes para dar base ao governo, enfim, qual será sua postura, revolucionária, conciliadora, quem será a senadora Jaqueline?
Jacqueline –
Sou tudo menos conciliadora. Posso até ser tranquilo, aparentemente, mas conciliadora é uma coisa que não sou. Aquela discussão que o Professor Piva fez uma vez (quando foi candidato ao Senado em 2014 pelo PSOL, que defendeu o fim do Senado) e ele tinha muita razão falava que ele era o anti-candidato. É uma pauta importante, estar no Senado para acabar com o Senado. É um excesso. Dava para pensar numa reforma do sistema político. O que vem acontecendo até hoje são reformas eleitorais. Não se pensa o que seria transformar profundamente o sistema político brasileiro.
 

BP – É mais importante que as reformas tributária, previdenciária e trabalhista?
 

Jacqueline – Não é mais importante. É necessária também. Um sistema político que alimenta, vem se reproduzindo como lógica que a própria população está questionando. Bem ou mal, o discurso está nas ruas também pela direita, o que assusta a gente em alguns momentos, com o discurso da intervenção militar… Talvez a gente tenha ficado mais assustado do que ele fosse de fato real. Fiquei imaginando que talvez se o Exército tivesse um projeto de governo talvez teria se dado de outra maneira. Mas nós defendemos a revogação das reformas (do governo Michel Temer), não tem como aceitar como dado o que foi colocado por esse governo ilegítimo.
 

BP – Entre os pré-candidatos à presidência da República, dos que tem mais projeção nas pesquisas, o PSOL seria oposição a qualquer um no Congresso?
 

Jacqueline – Provavelmente. Mesmo esse que é o da modinha, de alguma maneira Ciro Gomes, que alguns setores do PT e talvez até alguns desavisados do PSOL vejam como uma alternativa, eu não consigo ver não. Não tenho dúvida de que (Ciro Gomes) faria um governo de conciliação, que seria uma repetição do que a gente já viu (com o PT) e que foi um desserviço para a esquerda. Não foi uma coisa que ajudou a consolidar um projeto ou um programa que pudesse ser aprofundado no campo da esquerda.
 

BP – Qual sua visão sobre prisão do ex-presidente Lula?
 

Jacqueline – Foi seletiva. Vamos ver agora se vai ter mesmo andamento com relação a Beto Richa ou aos outros acusados nos escândalos. Aqui no Paraná, agora na Quadro Negro, mas enfim, acho que foi extremamente seletiva (a prisão de Lula). Mas não defendo os governos, acho que ela (a prisão) de alguma maneira é resultado de uma forma de governar e de uma crença que o PT teve nessa elite política tradicional. Fez um governo de conciliação com uma elite que nunca aceitou o PT, nunca aceitou abrir mão de nenhum dos altíssimos privilégios. As elites têm privilégios, mas acho que o Brasil é um dos países em que ela não abre mão de nada. Os programas mínimos que o PT colocou em andamento foram negados pela elite.
 

BP – Um dos entrevistados aqui, o ex-governador Beto Richa falou muito do papel dos senadores do Estado em apoiar o governo no Congresso Nacional, mencionou que precisou apelar a senadores de outros estados para conseguir apoio para liberação de empréstimos, etc. Como senadora, como seria sua postura?
 

Jacqueline – É um dos motivos para rever esse papel do Senado. Acho muito ruim essa ideia de o senador ou deputado ser despachante. Seria desnecessário em um sistema político melhor, sem esse papel que é muito ligado ao personalismo e clientelismo desses cargos servirem de despachantes das oligarquias locais. Por outro lado, enquanto isso não é revisto, você está lá, se tem um recurso que vem para o Estado não deveria ser pensado enquanto ‘recurso que vem para o governador de direita e a senadora de esquerda vai trazer para ele’. Se a gente pode trazer para o Estado, para a população, para os paranaenses, tem que ser trazido.

PROJETOS
 

Pautas trazem feminismo, educação e ecossocialismo
 

BP – Qual é seu projeto como senadora, ativamente, o que apresentaria no Congresso Nacional?
 

Jacqueline – Uma defesa intransigente da democracia e o aprofundamento dela. Quando a gente fala da democracia é dentro desses moldes da revolução burguesa, francesa. O Brasil nunca teve uma democracia de fato, enquanto a gente tem uma parte da juventude negra e pobre não tendo o mesmo acesso que os jovens em geral. Enquanto se tem privilégios que impedem a igualdade a gente não pode falar de uma democracia de fato. A gente discute também, e coloca nos espaços, a discussão do ecosocialismo. O modelo de desenvolvimento não pode ser o tradicional que a gente vem acompanhando, que é predatório, que muda o curso da natureza produz catástrofes maiores que as naturais. A pauta da Educação. A valorização dos professores, isso é central. Mas um ponto importante é a revisão da Reforma do Ensino Médio, que precariza o ensino médio, o trabalho do professor. Propõe uma lógica de fim das disciplinas que é complicado. O fim das disciplinas é um atraso porque também acaba com os professores pesquisadores. Você pesquisa em uma área, em sociologia, antropologia, geografia. E os estudantes entraram, ocuparam as escolas. Então é uma pauta muito impostante. E uma defesa intransigente de todas as pautas feministas. A construção do meu nome também é uma construção nas mulheres do PSOL.
 

BP- O PSOL cumpre cota (de 30%), tem uma proporção de 50% de mulheres?
 

Jacqueline – Infelizmente a gente não tem os 50%. Isso tem a ver com a sociedade mesmo. Nós, mulheres, não somos socializadas para ocupar esse espaço público. A gente se sente até meio mal nesse espaço. O nosso ideal é que a gente tenha 50% das candidaturas de mulheres e homens em todos os níveis. A gente não vem conseguindo atingir essa meta, que é uma meta nossa. A meta oficial é 30%, que com certeza a gente atinge, nem que tenha que cortar na carne.