O papa Francisco fez ontem um retorno audacioso ao cenário mundial em meio à pandemia, quando se tornou o primeiro líder da Igreja Católica a visitar o Iraque. A viagem tenta aparar as arestas de um país ferido pelo sectarismo, pela ocupação estrangeira e marcado pela perseguição de minorias, incluindo seu próprio rebanho cristão.

Logo no primeiro pronunciamento, feito para autoridades no palácio presidencial, em Bagdá, Francisco pediu o fim da violência. “Venho como peregrino da paz, em nome de Cristo. Quanto rezamos ao longo destes anos pela paz no Iraque”, disse. “E Deus escuta sempre. Cabe a nós ouvi-Lo. Calem-se as armas!”

Depois da cerimônia oficial de boas-vindas e da visita ao presidente iraquiano, Barham Salih, Francisco expressou sua gratidão por realizar uma viagem “longamente esperada e desejada”, segundo ele, enquanto o mundo tenta “sair da crise da covid-19”. À tarde, o papa foi à Nossa Senhora da Salvação, igreja católica siríaca, onde militantes islâmicos mataram 58 pessoas em 2010 – a pior atrocidade contra os cristãos iraquianos desde a invasão dos EUA, em 2003.

Nas últimas décadas, afirmou o papa, o Iraque sofreu os infortúnios das guerras, o flagelo do terrorismo e conflitos sectários, muitas vezes com base no fundamentalismo. O pontífice não se esqueceu dos yazidis, “vítimas inocentes de uma barbárie insensata e desumana”. “Tudo isso trouxe morte, destruição, ruínas ainda visíveis”, afirmou. “Os danos são ainda mais profundos, quando se pensa nas feridas dos corações de tantas pessoas e comunidades que precisarão de anos para se curar.”

A passagem pelo Iraque é a 33.ª viagem internacional do papa, que cumpre no país, até segunda-feira, uma agenda de encontros com autoridades e religiosos cristãos e muçulmanos. A turbulência geopolítica, a pandemia e o próprio ineditismo de uma visita papal ao Iraque tornam a viagem histórica e carregada de simbolismos.

Alto risco

Ao escolher o Iraque devastado pela guerra – e agora ameaçado pela covid – como seu primeiro destino após um período de isolamento no Vaticano, Francisco mergulha diretamente nas questões de guerra e paz, pobreza e conflitos religiosos em uma terra bíblica.

A viagem foi planejada para aprofundar os laços com os muçulmanos xiitas e encorajar uma população cristã dizimada. Mas, de forma mais ampla, também transmite a mensagem de que, após um ano isolado no Vaticano, Francisco queria arriscar e passar um tempo com aqueles que mais sofreram. “Esta viagem é emblemática”, disse o papa, no avião. “É um dever para com uma terra martirizada por tanto tempo.”

Após décadas de ditadura e sanções internacionais, a invasão liderada pelos EUA – que derrubou Saddam Hussein – criou um vácuo de poder e favoreceu a consolidação da Al-Qaeda no Iraque. O país entrou em guerra civil e o Estado Islâmico conquistou um terço do território, que o governo ainda tenta recuperar.

Ontem, em Bagdá, o papa percorreu ruas vazias e fechadas em uma bolha de extraordinária segurança. Helicópteros militares voavam e soldados fortemente armados guardavam avenidas decoradas com bandeiras do Vaticano e cartazes com os dizeres: “A Mesopotâmia cumprimenta você”.

A visita do papa coincide com uma volta recente dos ataques suicidas, de foguetes e tensões geopolíticas. Alguns admiradores de Francisco temem ainda que a viagem provoque aglomerações e aumente o número de casos de coronavírus no país. Seus conselheiros, no entanto, garantem que medidas de distanciamento social serão seguidas e argumentam que a viagem era necessária para aproximar Francisco dos cristãos iraquiano. (Com agências internacionais)