Arquivo Bem Paraná – A secretária de Saúde de Curitiba

Na entrevista coletiva realizada nesta sexta-feira (26 de março) por meio de vídeoconferência, quando a Prefeitura de Curitiba confirmou que prorrogará a bandeira vermelha até o final da Páscoa, na próxima semana, um dos assuntos comentados pela equipe da Secretaria Municipal da Saúde (SMS) foi o “tratamento precoce” contra a Covid-19. O assunto, um dos mais batidos desde o início da pandemia, ganhou força nas últimas semanas na capital paranaense, após empresários, políticos e até mesmo médicos aumentarem a pressão pela adesão ao uso de medicamentos sem eficácia comprovada contra o novo coronavírus.

Segundo o Doutor Alcides de Oliveira, diretor de Epidemiologia da SMS, a pasta tem sempre pautado seus esforços nas melhores evidências científicas e nos trabalhos com mais consistência, que já foram analisados pelos pares, seja para confirmar ou não os estudos.

“Não existe tratamento precoce. Existe atendimento precoce, mas não tratamento. Algumas pessoas já utilizaram [medicamentos como cloroquina, azitromicina e ivermectina] e não há impacto na cadeia de transmissão ou na recuperação da pessoa relacionado a alguns medicamentos, pelo contrário. Algumas pessoas que utilizaram procuraram o serviço de atendimento, foram para UTI, utilizaram ventilação mecânica. Tratamento precoce não causa regressão da carga viral, não recupera sintomas e isso já está evidenciado, é consolidado por todos ois órgãos internacionais”, explica o especialista.

Ainda segundo Alcides de Oliveira, assim como a jabuticaba é uma exclusividade brasileira, também o é o alardeado tratamento precoce contra a Covid-19. “Nenhum país sério instituiu tratamento precoce, mas sim bom monitoramento, bom tratamento, rede de saúde firme e rigorosa para contenção da Covid. Por isso precisamos ter tranquilidade, racionalidade, para dizer que todos os esforços estão sendo utilizados para o enfrentamento da pandemia. Mas vamos usar nossas força no sentido de contenção da doença. Tratamento precoce não trem efetividade.”

‘Sobrevive quem se adapta’

A secretária da Saúde, Marcia Huçulak, foi outra a comentar o assunto. E o fez, primeiro, recordando outas epidemias e pandemias que o mundo já atravessou, explicando que em geral essas crises sanitárias se prolongam por pelo menos dois anos. Isso significa, então, que é necessário que a sociedade, enfim, se adapte às mudanças impostas pela conjuntura atual. E o problema é que isso não tem acontecido.

“É muito difícil quando começa um processo em que as pessoas têm dificuldade de se adaptar a esse novo momento. Darwin já dizia: sobrevive quem se adapta. Nem é o mais fraco, nem é o mais forte. É quem se adapta que sobrevive. E a sociedade está resistindo a se adaptar. Há uma mudança em curso e as pessoas querem continuar vivendo da mesma maneira. Não é possível e não será mais possível”, afirma a gestora.

Ainda segundo Huçulak, ao menos até o final teremos de continuar usando máscara, por exemplo, e isso numa perspectiva otimista, já que há a possibilidade de novas variantes do coronavírus surgirem, já que o ritmo de vacinação no mundo (e especialmente no Brasil) está muito lento.

“Do ponto de vista da abordagem terapêutica, entendemos que aquele comerciante, que é leigo, ele quer o comércio aberto do jeito que sempre fez, quer voltar academia do jeito que sempre fez, voltar a jogar futebol naquela cancha. Criou-se essa fantasia, muito patrocinado pelo nosso dirigente maior dese país, infelizmente, sem nenhum embasamento científico. As pessoas se apegaram numa pílula milagrosa que vai malvar o mundo. Que bom que fosse, gente”, disse a secretária, desabafando ainda sobre as críticas que recebe por defender medidas como o distanciamento social e o uso de máscaras, em detrimento de terapias no mínimo duvidosas que são propagadas por políticos e até mesmo alguns médicos – curiosamente, em geral de outras áreas que não a infectologia, pneumologia ou epidemiologia.
“Nós não somos genocidas, como eu sou acusada constantemente. Nós estudamos, nós lemos. Você acha que o mundo todo… Ano passado, havia suspeita [que funcionasse], entregamos cloroquina. Mas depois de junho, julho, os médicos de UTI relataram que muitos pacientes iam pro tubo e diziam ‘que bom que tomei a cloroquina, não vou morrer’, e uma semana depois morre. Vendeu-se uma ilusão às pessoas. Eu só lamento”, critica Huçulak. “Lamento que as pessoas usem isso [tratamento precoce] para dizer que lockdown não funciona, máscara não funciona, distanciamento não funciona. Funciona, funciona sim. Infelizmente não há uma droga no mundo ainda para dar conta disso (Covid-19).”