Divulgação – Leonardo DiCaprio e Brad Pitt

É bom ser Quentin Tarantino. Seu nome, por si só, define um gênero cinematográfico, independente da história que conte. Estará sempre cheio de diálogos peculiares, de cenas de violência, de sangue cenográfico, de referências homenageadoras. Não importa o gênero. Pode ser um folhetim violento (‘Pulp Fiction’), um Western (‘Django Livre’), um filme de artes marciais (‘Kill Bill’), ou de gangues (‘Cães de Aluguel’) ou de guerra (‘Bastardos Inglórios’). A etiqueta “filme de Tarantino” sempre vem antes do gênero do filme. E ele coloca isso à prova em ‘Era uma vez em… Hollywood’, que estreia nesta quinta-feira (15) em Curitiba.

Uma das vantagens de ser Quentin Tarantino é ser praticamente à prova de críticas. Ele fez por merecer estar no estágio em que está. Seus filmes sempre tiveram um quê de inovação, de transgressão, de subversão. As referências cinematográficas que ele utilizou ajudaram a resgatar obras que estavam no limbo e atores idem. Os filmes de Tarantino viram cult. E, por isso, ele conseguiu independência para fazer o filme que bem entender, do jeito que bem entender. Por incrível que pareça, isso atrapalhou em ‘Era uma vez… em Hollywood’, que tem roteiro e direção dele.

O filme é ambientado na Los Angeles de 1969, ano em que a atriz Sharon Tate, então casada com o diretor de cinema Roman Polanski, foi brutalmente assassinada por jovens da Família Manson, uma seita de seguidores de Charles Manson. Na época, o glamour hollywoodiano estava em declínio. O ataque à atriz é considerado um marco em Hollywood; a partir daí, as grandes produções de estúdios começam a ceder espaço às grandes produções de diretores como Francis Ford Coppola, Martin Scorsese, Woody Allen, Steven Spielberg e George Lucas. Mas Sharon Tate (vivida por Margot Robbie) é apenas uma coadjuvante no filme, subaproveitada, quase sem cenas relevantes. O roteiro foca mesmo em Rick Dalton (Leonardo DiCaprio) e Cliff Booth (Brad Pitt). Dalton é um ator que interpretava heróis de seriados de TV, mas que passou a fazer pontas como bandidos em filmes. Booth é uma espécie de faz-tudo de Dalton; não é apenas seu dublê pessoal, mas também é seu motorista, seu carregador de malas, seu ombro amigo. Enquanto o astro vive uma espécie de crise existencial na carreira, seu dublê não se importa em resolver coisinhas para ele, como consertar a antena de TV. Nesse meio-tempo, Booth encontra algumas hippies que fazem parte da seita de Manson (interpretado por Damon Herriman). Dalton, por acaso, é vizinho de Polanski e Sharon Tate naquelas localidades afastadas e cheias de mansões em Los Angeles.

Tarantino sempre se pintou como um cara que adora filmes e que conhece profundamente até mesmo obras obscuras. Em seus trabalhos anteriores, o cineasta abusa das referências a outros filmes. Em ‘Era uma vez em… Hollywood’, ele abusa das referências a ele mesmo. Elementos de ‘Bastardos Inglórios’, ‘Os Oito Odiados’, ‘Django Livre’ e ‘Kill Bill’ estão escancarados. Até mesmo participações curtas de atores como Bruce Dern ou Kurt Russell parecem remeter aos longas anteriores. Por causa disso, o novo filme parece já visto, ao se carregar de elementos já vistos. E o criador falha ao entregar uma linha narrativa sem a força com a qual o público se acostumou.

Não bastasse isso, ‘Era uma vez em… Hollywood’ também carece dos “diálogos-Tarantino”, talvez a sua grande marca pessoal. Claro, há bons momentos, como Cliff e Bruce Lee (Mike Moh) discutindo sobre quem venceria uma luta, se Bruce Lee ou Cassius Clay (para quem não sabe: naquela época, Muhammad Ali usava seu nome de batismo). Ou Marvin Schwarz (Al Pacino) dizendo a Rick Dalton que o fato dele fazer bandidos nos filmes mais recentes tem atrapalhado sua imagem como herói do seriado de TV ‘Matador de Recompensas’. Em contrapartida, a interação dos atores com cenas reais de filmes reais diverte. E há centenas de elementos da realidade hollywoodiana. A transgressão, se é que dá para dizer isso, é uma sacada à la ‘Bastardos Inglórios’: subverter as ocorrências históricas para direcionar o filme a um desfecho que, apesar de tudo, retrata um final melhor que a realidade dos fatos.

Quando fez ‘Os Oito Odiados’, em 2015, Tarantino chegou a declarar que seu próximo filme seria seu último. Se as declarações fossem levadas a cabo, esse último filme seria ‘Era uma vez em… Hollywood’. Contudo, recentemente o cineasta voltou atrás e anunciou que poderia fazer uma ficção científica nível ‘Star Trek’. Seria uma sorte. Ruim seria encerrar uma carreira brilhante com um filme abaixo de sua linha de qualidade. Tem a chance de fazer um novo filme de Tarantino é, sem dúvida, uma das coisas boas de ser Quentin Tarantino.