Destino possível de processos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1), sediado em Brasília, é considerado por advogados, procuradores e até pelos próprios desembargadores uma Corte com perfil “garantista”, que costuma privilegiar direitos dos réus. No ano passado, o tribunal tomou duas decisões que beneficiaram Lula. Agora, pode caber aos mesmos magistrados decidir sobre as ações do petista na Lava Jato – caso condenado, ele voltará a ser inelegível.

Lula foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa, em 2018, após ser condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro em segunda instância no caso do triplex do Guarujá (SP). A decisão foi do Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), sediado em Porto Alegre, e de perfil mais “punitivista”, que tende a privilegiar os acusadores no julgamento. Agora, após a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Fachin, que anulou as condenações do petista definidas pela Justiça Federal em Curitiba, o epicentro jurídico dos processos se deslocará para a capital federal. Os casos deverão ser avaliados por um dos juízes de primeira instância da 10.ª ou da 12.ª Vara da Justiça Federal no DF, e só então serão remetidos ao TRF-1.

Em setembro, os desembargadores da Quarta Turma do tribunal atenderam a um habeas corpus da defesa de Lula e trancaram o andamento de uma ação penal. O caso é um desdobramento da Operação Janus, de 2016, na qual Lula é acusado pelo Ministério Público Federal de ter influenciado o BNDES para favorecer a Odebrecht em empréstimos para obras em Angola. Para o relator, o desembargador Néviton Guedes, o MPF não reuniu provas suficientes para justificar a continuidade do processo.

Néviton segue na Quarta Turma – os casos de Lula deverão ser julgados na Terceira e na Quarta Turma, responsáveis pelos casos criminais. O colegiado de Néviton é integrado ainda pelos desembargadores Olindo Menezes e Cândido Ribeiro. Na Terceira Turma atuam os desembargadores Ney Bello, Mônica Sifuentes e Maria do Carmo Cardoso. Ambas as turmas têm perfil “garantista”.

Em abril, outra decisão benéfica a Lula: a Quarta Turma absolveu nove alvos da Operação Zelotes, acusados de “vender” medidas provisórias para beneficiar a indústria automobilística em governos do PT.

Histórico

O TRF-1 também decidiu favoravelmente a réus ou investigados em outros casos de crimes do colarinho-branco. Em outubro, trancou investigação contra o ministro Paulo Guedes (Economia) na Operação Greenfield. Decisões anteriores favoreceram o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha e o ex-ministro Geddel Vieira Lima. “A impressão que tenho do TRF-1 é a de que o nível de aceitação de teses da defesa é maior que, por exemplo, no TRF-4”, disse o procurador regional da República Alexandre Camanho, que representa o MPF em processos na Corte. O TRF-4 é onde são julgados em segunda instância os processos da Lava Jato no Paraná.

Para o criminalista João Paulo Boaventura, a comparação entre o TRF-4 na Lava Jato e o TRF-1 na Zelotes mostra que a Corte em Brasília foi “mais garantista”. “No geral, é um tribunal que evita chancelar o que decidem os juízes da 10.ª e da 12.ª Varas (da Justiça Federal no DF).”

Lentidão

O TRF-1 também é considerado um dos mais lentos do País, o que pode beneficiar Lula. O petista estará inelegível e não poderá disputar a eleição de 2022 se for condenado em segunda instância antes de agosto do ano que vem.

“O TRF-1 é, de longe, o tribunal mais lento do Brasil. Enquanto no TRF-4 todos os processos são eletrônicos há mais de dez anos, no TRF-1 a maior parte dos processos criminais ainda é física”, afirmou Camanho. Um dos motivos é a abrangência. Entre os tribunais regionais federais, o TRF-1 recebe os processos da Justiça Federal de 13 Estados e do DF.

Um relatório do Conselho Nacional de Justiça identificou que gabinetes do TRF-1 contam com milhares de casos paralisados, não fazem controle efetivo de liminares concedidas, não monitoram o andamento de processos e não cumprem metas de produtividade. No gabinete de Néviton Guedes, por exemplo, o CNJ apontou que um número elevado de processos (3.755) estava paralisado há mais de cem dias. Segundo o conselho, processos já instruídos (quando todas as partes já foram ouvidas) aguardavam há mais de dois anos a elaboração de voto do desembargador.

Néviton disse, em nota, que seu gabinete vem tomando medidas para melhorar o controle sobre os processos e aumentar a rapidez do trabalho. Afirmou ainda que muitos dos processos analisados são “de complexidade absolutamente acentuada”. A presidência do TRF-1 não respondeu à reportagem até a conclusão desta edição.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.