BRUMADINHO, MG (FOLHAPRESS) – Hoje, a lama não se parece em nada com a que invadiu Brumadinho: o verde começa a brotar em meio aos rejeitos da mineração.


Parte da lama está completamente seca e os rejeitos de minério na superfície são visíveis. Hoje já é possível caminhar com menos dificuldade sobre a lama, antes instável, líquida e perigosa.


Surpresos com o verde que insiste em nascer em meio aos rejeitos, parte dos moradores acredita que, por conta da força com que desceram os rejeitos, árvores e vegetação foram arrancadas sem perder completamente suas raízes.


Segundo os moradores, as áreas de maior crescimento de vegetação eram os pontos de maior biodiversidade, como os riachos e lagoas.


No último domingo (14), acontecia o enterro do último morador encontrado no Córrego do Feijão. Nesse pequeno distrito, um dos mais afetados pelo rompimento da barragem no dia 25 de janeiro, foram 25 vítimas –ao todo, 231 morreram na tragédia.


Levi Gonçalves da Silva foi o último morador do Feijão a ser reconhecido, 85 dias após o rompimento. Perto da data em que se marcariam três meses do desastre, o pequeno cemitério local estava, mais uma vez, cheio.


“Você viver 40 anos com uma pessoa é muito tempo, né. É muita história pra acabar assim, dentro de 1 segundo. Ninguém esperava tanta gente debaixo da terra de uma hora pra outra, num caso que podia ter sido evitado”, diz Conceição Lopes Fernandes Silva, 53, viúva de Levi.


Os restos mortais de Levi foram reconhecidos por familiares na sexta feira (12) no Instituto Médico Legal de Belo Horizonte. Na mesma situação de Levi, ainda existem 530 partes de corpos de vítimas aguardando para serem identificadas. Além das 231 mortes confirmadas, há 41 pessoas desaparecidas, segundo lista divulgada pela Vale e pela Defesa Civil.


As buscas serão encerradas caso os restos mortais no IML sejam compatíveis com o DNA dos desaparecidos.


Na quarta-feira (17), 83º dia de buscas, os resgates contavam com 138 bombeiros militares e 4 duplas formadas por tutor e um cão farejador, em contraponto aos 400 militares que atuavam no início da operação. Os bombeiros informaram também que drones têm sido utilizados nas buscas, ao invés de aeronaves.


Segundo a Vale, 272 famílias de vítimas receberam doação de R$ 100 mil; 98 donos de imóveis na zona de autossalvamento receberam R$ 50 mil cada; e 81 pessoas cujos negócios foram impactados receberam R$ 15 mil.


“Eu ainda não fui na lama, ainda não tive coragem de ver o barro. Só pela TV.” Noé Henrique de Oliveira, 63, um dos moradores mais antigos do Córrego do Feijão, perdeu o terceiro de seus quatro filhos no desastre ambiental.


Rodrigo Henrique de Oliveira, 31, que trabalhava para a Vale, deixou mulher, um enteado e um filho, Bruno e Rodrigo Jr., de 20 e 11 anos, respectivamente.


“Por aqui até o ar tá triste, você repara?”, diz Noé. A população atingida se divide entre os que querem partir e os que querem ficar. O turismo, antes importante fonte de renda, agora praticamente não movimenta a economia.


Celso de Oliveira, 20 anos, é funcionário da Brasanitas, empresa terceirizada da MRS, que faz limpeza dos vagões de trem. “A minha vontade agora é de ir embora. A gente não vai esquecer, com certeza. Eu acredito que longe daqui vai ser melhor, não vai estar vivenciando todo dia ali, passando todo dia na estrada e relembrando”, diz ele.


Já Wilson José Ferreira, 55, aposentado e membro da associação de moradores do Córrego do Feijão, não pensa em sair do local. “Não vou aluir meu pé daqui nem tão cedo. Posso sair daqui, mas só depois de ver isso tudo reestruturado. O que eu puder fazer por essa comunidade pode ter certeza que eu vou fazer. Vou dar o máximo que eu puder.”


“Eu creio que daqui a dois ou três anos a Vale vai estar movimentando a mesma coisa. Vai acontecer igual lá em Mariana. Lá já foi até esquecido. Lá eles perderam bens materiais né, aqui foram vidas mesmo. Aqui também vai ser esquecido. A Vale vai continuar, aliás, já está continuando”, diz Carmem Vicentina Barbosa, 67 anos, nascida no Córrego do Feijão.


“Isso aqui eles podem folhear a ouro que nada vai apagar o que aconteceu. Nunca mais”, diz Wilson José Ferreira.