Voltei hoje, pela primeira vez, ao meu consultório desde o início do isolamento. Eu vinha ensaiando esse movimento há alguns dias. Vinha cheia de saudades de ler meus livrinhos que estavam lá, da minha manta, minha caneca, meu copo e do relógio que uso para atender. Uma vontade danada de espiar a minha vida como ela costumava ser, de trazê-la comigo – ainda que só uma pequena parte – na tentativa de reproduzir o antes.

E embora a vontade fosse mesmo grande, até hoje, resisti ao movimento de voltar. Primeiro porque estou levando absolutamente a sério a recomendação de ficar em casa – o consultório fica há uma quadra do meu apartamento, mas ainda assim… E depois porque essa saudade andava meio misturada ao medo que o efeito dessa visita teria em mim. Projetei esse medo nas plantas. Eu se eu voltar e elas estiverem todas mortas? Dou conta da visão? Se o cheiro consultório, que é sempre tão bom – sou capaz de sentí-lo agora mesmo – estiver misturado ao das folhas já secas, murchas de vida? Melhor não ir.

No dia em que resolvi ficar com a sala conheci, além do corretor que me apresentou o imóvel, a Josi. Ela trabalha na recepção e tem os cabelos mais escuros e bem cuidados que já pude observar. Josi me disse que, se eu precisasse, ela poderia limpar o consultório uma vez por semana. Fazia isso como um trabalho extra para alguns outros condôminos. A partir de então, vem cuidando da limpeza a cada sábado. Ainda em março, combinamos fazer uma pausa na faxina que se fazia então desnecessária, obviamente, seus pagamentos foram mantidos como deve ser sempre que possível. Nos falamos algumas outras vezes desde então e ela vem me contando do esquema de rodízio que foi armado para os funcionários do prédio que seguem indo duas vezes por semana cada um, já que alguns dos médicos continuam atendendo as emergências por lá. Falamos sobre a angústia que estamos todos vivendo, sobre tudo o mais que seguimos a repetir com cada um dos nossos interlocutores. A repetição de algumas das minhas falas é tamanha que, por vezes, penso ser capaz de segurá-la com uma das mãos. Deixa repetir, é preciso.

Pois bem, quando abri a porta da sala hoje e vi, já dali do corredor, algumas folhas verdíssimas da planta do banheiro, tive vontade de abraçar a Josi. Que bonito ver a delicadeza de alguém assim viva em forma de planta. Elas não sorriram pra mim porque não conseguem, não falaram “oi, quanto tempo” por pura impossibilidade. Estavam lindas, fortes, crescidas. Tenho certeza que uma moça de cabelos pretos e escovados andou subindo ao sexto andar para molhar cada um dos vasinhos. A vida vai seguir por causa de gente como a Josi. Obrigada, obrigada e obrigada. Boa semana queridos.