O Paraná registra uma grande monta de processos ativos que tratam de pensão alimentícia. Segundo informações do Observatório de Dados do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), em maio deste ano havia 5.133 ações tramitando no estado que versam sobre alimentos, número que engloba tanto os pedidos de concessão de pensão alimentícia como as ações revisionais de alimentos, que buscam alterar o valor da pensão. Esses processos, via de regra, envolvem crianças e adolescentes cujos pais se separaram – por lei, após a separação, o sustento dos filhos é responsabilidade dos dois, pai e mãe.
Quem não cumpre a obrigação de pagar a pensão, inclusive, pode até ser preso. Isso porque no Brasil, além da prisão criminal, existe também a possibilidade de prisão civil. Nesses casos, em vez de objetivar punir um criminoso ou infrator, a prisão tem o intuito de obrigar o cumprimento de uma obrigação – no caso, pagar a pensão alimentícia para os filhos, já que a única possibilidade de prisão civil que persiste na legislação brasileira é justamente a detenção de devedores de pensão alimentícia.
No TJPR, as informações do Observatório de Dados revelam ainda que, além das ações que versam sobre alimentos, há ainda 604 processos em tramitação que tratam de prisões civis. Os números, conforme a assessoria de comunicação do Tribunal, não são 100% precisos porque são baseados nos cadastros feitos em cada unidade jurisdicional, um trabalho feito ainda de forma manual. Além disso, é bem recente (de 2022) a orientação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que cada processo receba uma classificação específica de assunto.
De toda forma, as estatísticas já ajudam a dimensionar o tamanho do problema no Paraná, uma situação que se agravou por conta da pandemia do novo coronavírus.
Em entrevista recente ao programa MP no Rádio, uma produção da assessoria de comunicação do Ministério Público do Paraná (MPPR), o promotor de Justiça André Vieira Saraiva de Medeiros, que é especialista em Direito de Família, comentou que do início da pandemia até novembro de 2021 a possibilidade de prisão em regime fechado por conta de dívida alimentícia ficou em suspenso, evitando-se a prisão de mais pessoas com a adoção da prisão em regime domiciliar como alternativa nessas situações. Na prática, contudo, a modalidade de detenção se mostrou pouco efetiva para garantir o cumprimento da obrigação, de caráter urgente por ser necessária para a subsistência do alimentado.
“O que se constatou nesse período de pandemia é que houve um grave prejuízo aos credores de alimentos, normalmente os incapazes, crianças e adolescentes que se encontravam em grave situação de abandono”, afirma o promotor, apontando ainda uma enxurrada de ações que tratam também da revisão do valor a ser pago aos alimentandos. “Em todo esse período de pandemia também houve um aumento expressivo das ações revisionais de alimentos, ou seja, aquelas ações em que se busca alterar o valor pago em alimentos. Muitas pessoas perderam o emprego, deixaram de ter salário formal e foram trabalhar de forma autônoma ou informalmente, e então houve muitas ações buscando alterar o valor dos alimentos.”
Aos poucos, no entanto, o cenário parece estar melhorando. Em maio do ano passado, por exemplo, o TJPR registrava 6.891 processos ativos cujo assunto principal era alimentos. Além disso, outras 898 ações versavam sobre a prisão civil. Ou seja, houve queda de 34,3% no número de processos em tramitação debatendo pensão alimentícia, enquanto as ações relacionadas à prisão civil tiveram queda de 48,7% no mesmo período.
“[O devedor de pensão alimentícia] Tem que empreender todos os esforços para manter a obrigação alimentar em dia e nos exatos termos da obrigação que ele assumiu, pois é a única dívida que autoriza a sua prisão e justamente em função da natureza alimentar da obrigação, que visa garantir a subsistência do credor de alimentos. O devedor deve ter em mente que é sua obrigação, diante de qualquer alteração das suas condições de pagamento, informar a situação e ingressar com uma ação revisional para alterar o título, a quantia que ele paga”, ressalta ainda o membro do MPPR.
Pais que abandonam os filhos são a situação mais comum nas prisões por alimentos
Nos processos envolvendo pedidos de prisão por pensão alimentícia, a situação mais comum de se encontrar envolvem devedores que abandonam o processo e, não raro, o próprio credor da pensão, ou seja, seus filhos. “É aquele pai, aquela mãe que assume a obrigação de pagar alimentos e simplesmente deixa de pagar, de procurar o filho. Muda de endereço, não comunica a família, não comunica a Justiça. Diante dessa situação de abandono, surge a necessidade da Justiça se valer de uma medida extrema, expedindo mandado de prisão como forma de se obter o pagamento da dívida”, comenta o promotor do MPPR.
Para uma prisão civil se efetivar, é necessário que o credor da pensão apresente seu título, ou seja, o acordo ou sentença judicial que estabeleceu a obrigação alimentícia, para o advogado de confiança, a Defensoria Pública (que atende pessoas hipossuficientes) ou ao próprio Ministério Público. É possível cobrar judicialmente as três últimas prestações alimentares, além daquelas que vencem no decorrer da ação de cobrança (a partir do primeiro atraso, no entanto, já é possível ingressar com a demanda judicial).
O devedor, por sua vez, terá três dias a partir da intimação para pagar o que está devendo ou apresentar uma justificativa do não pagamento. Caso esse valor não seja pago ou a justificativa para o atraso no pagamento seja rejeitada, o juiz poderá decretar a prisão dele por um período de 30 a 90 dias e o devedor ficará detido em uma ala separada dentro da unidade prisional, somente para devedores de pensão alimentícia.
“Caso o prazo [da prisão] transcorra e ele não efetue o pagamento, ele é colocado em liberdade, mas continua sendo devedor daquela pensão”, explica o promotor do MPPR, citando que em seguida a prisão, caso o pagamento não seja efetuado, vai ser convertida em outra modalidade de pagamento: a penhora de bens, com possibilidade até mesmo da penhora de até 50% do salário do devedor.
Prisão criminal e prisão civil
A prisão criminal decorre da prática de um crime, ou seja, de uma conduta prevista em lei, considerada ilegal e cuja pena é a prisão. Por exemplo, quem comete um homicídio (matar alguém) terá de cumprir pena de seis a 20 anos de prisão. Por outro lado, a prisão civil não tem um caráter punitivo, e sim coercitivo, para se cobrar uma dívida alimentar.
Inicialmente, a Constituição previa não só a prisão civil de devedores de prisão alimentícia, mas também do chamado “depositário infiel” – aquela pessoa que recebe um bem em confiança e não o devolve quando solicitado pela Justiça ou pelo proprietário do bem. Ao longo dos anos, porém, o Brasil assinou diversos tratados e convenções internacionais, os quais fizeram o Supremo Tribunal Federal (STF) entender que somente a prisão civil decorrente do não pagamento de alimentos seria constitucional.
“Essa decisão foi muito importante, primeiro porque ela reforça a possibilidade da prisão civil ao devedor de alimentos – que na prática jurídica se mostra muito eficiente – e ao mesmo tempo reconhece a inconstitucionalidade de qualquer outra modalidade de prisão civil. É uma garantia do cidadão que ele não poderá ser preso em decorrência de uma dívida cível, exceto se essa dívida for de natureza alimentar”, destaca o promotor de Justiça André Vieira Saraiva de Medeiros.
Mais de 30 mil pais ausentes no Paraná
Números dos Cartórios de Registro Civil do Paraná mostram que desde 2019 um total de 680.237 nascimentos foram registrados no Paraná. Em 30.297 desses casos (4,5% do total), no entanto, as crianças foram registradas sem o nome do pai. Os números estão registrados no Portal da Transparência do Registro Civil, na página denominada Pais Ausentes, que integra a plataforma nacional, administrada pela Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), que reúne as informações referentes aos nascimentos, casamentos e óbitos registrados nos 7.654 Cartórios de Registro Civil do Brasil, presentes em todos os municípios e distritos do país.
Nos últimos anos, inclusive, vem crescendo a proporção de crianças que nascem e são registradas sem o nome paterno. Em 2019, por exemplo, houve 160.480 nascimentos, com 6.970 crianças (4,3% do total) registradas com pai ausente.
Já em 2023, de 1º de janeiro até 10 de julho, 78.556 nascimentos foram anotados no estado, com 3.806 crianças sem o nome do pai no registro – 4,8% do total, recorde para o período analisado.
Pais ausentes
(número de crianças registradas só em nome da mãe)
2023
Nascimentos (total): 78.556
Pais ausentes registrados: 3.806
2022
Nascimentos (total): 145.603
Pais ausentes registrados: 6.482
2021
Nascimentos (total): 146.102
Pais ausentes registrados: 6.494
2020
Nascimentos (total): 149.496
Pais ausentes registrados: 6.545
2019
Nascimentos (total): 160.480
Pais ausentes registrados: 6.97
Total (2019-2023)
Nascimentos (total): 680.237
Pais ausentes registrados: 30.297