Este artigo foi inspirado a partir de consulta formulada à Coordenação do Comitê de Enfrentamento às Drogas pleiteando estudo sobre a substância vulgarmente conhecida como “skank gold”, “maconha skank”, “skunk” ou “supermaconha”, a fim de subsidiar quesitação complementar nos autos de processo criminal. No laudo definitivo, o perito constatou que a droga apreendida era maconha (Cannabis sativa), em que pese o réu, em seu depoimento, ter afirmado que se tratava da substância conhecida como “skank gold”, uma variação da maconha produzida em estufa e com índice de THC bastante superior à maconha tradicional.

O tema também foi objeto do Informativo Temático Mensal nº 5, disponível na página do Projeto Semear, que abordou as Drogas Sintéticas & Novas Substâncias Psicoativas (NSP).

O caso concreto suscitou alguns questionamentos: juridicamente, seriam a maconha e a supermaconha drogas diferentes ou estaríamos diante de um eventual dilema comunicacional? Quais os impactos no âmbito criminal da seletividade e especificidade bioquímica, catalisadoras de eventual diversidade de espécies químicas, disponibilizadas como drogas aprimoradas nominalmente diferentes no “mercado ilegal das drogas”? É possível identificar no laudo pericial características que diferenciam a maconha tradicional da supermaconha, visando solicitar o seu complemento? Estaria a polícia científica metodologicamente atualizada para responder à especificidade dessa demanda? Qual o impacto das controvérsias a respeito da lesividade da supermaconha para usuários na fixação da pena-base em caso de condenação criminal por tráfico?

A Portaria n° 344/98 da Secretaria da Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde define o conceito de entorpecente: “Substância que pode determinar dependência física ou psíquica relacionada, como tal, nas listas aprovadas pela Convenção Única sobre Entorpecentes, reproduzidas nos anexos deste Regulamento Técnico.” O rol de substâncias elencadas é considerado taxativo pela Corte Superior de Justiça, isso porque o tipo penal de tráfico é considerado norma penal em branco heterogênea, dependendo de regulamentação, ou seja, complementação por meio da Portaria nº 344/98. Anexas à Portaria, constam as substâncias consideradas como as que causam dependência física ou psíquica, sendo o tetrahidrocanabinol (THC), componente presente na Cannabis sativa responsável por causar dependência, listado em seu item 28.

As drogas chamadas popularmente de “skank”, “skunk” ou supermaconha são produtos do cruzamento genético entre espécies de Cannabis (CUZZI, 2020), apresentando concentração superior de THC em seu resultado final. Pesquisa recente do Instituto de Psiquiatria do King’s College London (KCL) descobriu que usuários de skunk são quase sete vezes mais propensos a desenvolver doenças psicóticas do que aqueles que usam a Cannabis, sendo o alto nível de delta-9 tetrahidrocanabinol (THC), encontrado no skunk, substância desencadeadora de alucinações e delírios.

Ao analisarmos o laudo elaborado pelo perito criminal, depreende-se que foram utilizados três métodos de investigação: i) exame macroscópico; ii) Exame colorimétrico Fast Blue B Salt e iii) Análise Instrumental Espectroscópica, tradicional na perícia forense. No entanto, tais métodos são capazes de identificar apenas a composição química dos organismos, sem mensurar a concentração química de seus componentes.

O teste Duquenois-Levine, colorimétrico, o teste de Scott e Mayer e a cromatografia são metodologias utilizadas para aferir a eficácia identitária acerca de determinada substância (MOTTA & DI VITTA, 2016; PASSAGLI, 2013). Na verdade, as técnicas utilizadas pela engenharia genética também são adotadas pelas organizações criminosas a fim de desenvolver drogas mais potentes e de maior interesse para usuários, devendo as técnicas e metodologias de investigação forense ser atualizadas para identificar situações como a da supermaconha.

Em uma análise química tradicional forense, os métodos empregados serão capazes de garantir, com certeza, que a substância apresentada para análise se trata de composto orgânico que apresenta THC, um dos principais componentes psicoativos da maconha, comumente considerada uma droga com menor potencial lesivo em comparação ao crack e à cocaína. Contudo, com a evolução no desenvolvimento de substâncias sintéticas com maior concentração de THC e, portanto, mais potentes, a lesividade das drogas que contêm o THC em sua composição também se potencializa, não podendo mais serem consideradas substâncias mais leves.

Nas decisões do Judiciário paranaense, verifica-se, outrossim, que os processos criminais que envolvem o tráfico da “supermaconha”, “skunk” ou “skank” já vêm abordando tais substâncias de forma mais contundente ao admitirem que a maconha “skank” possui maior poder deletério, autorizando a majoração da pena-base.

Todavia, outra advertência que se pretende, para além da análise casuística, é a de que os termos têm significados imprecisos, às vezes tratados como sinônimos, às vezes como termos distintos (skank x maconha). Para Wittgenstein (1979), o significado de uma linguagem é dado em seu uso, e, como há usos diferentes, criam-se jogos de linguagem, estabelecendo estratégias de comunicação para atingir finalidades diversas. Uma dessas estratégias é o descolamento entre o termo utilizado pelo sujeito e a realidade.

Wittgenstein (1994) ensina que não é uma palavra que designa uma coisa, mas um conjunto de regras sociais para cada uso que fazemos da linguagem. Nos autos que inspiraram este artigo, o jogo de linguagem denota dicotomia argumentativa relacionada com o impacto da linguagem. Percebe-se que a nomenclatura da droga em questão parece configurar jogo comunicacional em relação ao conhecimento individual/psicológico, apresentado no depoimento do réu, sobre a identidade da droga de que assume ter feito uso e o conhecimento especificamente científico enunciado pelo perito no laudo técnico.

Feitas tais considerações, urge avaliar o impacto judicial de dilemas comunicacionais relacionados com o laudo emitido pelo perito judicial e a terminologia usada pelo réu nos autos para indicar a especificidade da droga nos processos criminais. O uso transgressor da linguagem, visando escapar da aplicação da legislação penal, poderia ter efeito devastador nos autos, aproveitando-se de eventual descompasso metodológico das técnicas laboratoriais de investigação forense, face à seletividade e especificidade bioquímica, catalisadora de aparente diversidade de espécies químicas, enquanto diversidade artificialmente constituída.

Ainda que o crime organizado atue com peculiar plasticidade, dispondo de inúmeros recursos para inovar suas estratégias tecnológicas, a eficácia da política pública repressiva às drogas, em especial às substâncias híbridas e sintéticas e às novas substâncias psicoativas, alerta para a necessidade de constante atualização metodológica e tecnológica nas áreas pericial e judicial, minimizando transgressões identitárias das substâncias apreendidas, cuja racionalização tem potencial para instrumentalizar seletivamente o viés discursivo dos réus nos autos e a jurisprudência nos tribunais.

A presente discussão se insere no rol de temas emergentes a serem pautados para apreciação nas ações de esclarecimento e incentivo à prevenção e ao tratamento do uso indevido de drogas. Para uma melhor atuação, atualizada e eficiente, na temática de drogas, é essencial que essas variações de substâncias psicoativas sejam estudadas e reportadas, permitindo a comunicação interdisciplinar das ciências química, jurídica e da saúde.

* Equipe do Projeto Semear – Enfrentamento ao Álcool, Crack e Outras Drogas, do Ministério Público do Paraná: promotor de Justiça Guilherme de Barros Perini, assessora jurídica Letícia Soraya Prestes Gonçalves de Paula, psicóloga Noeli Kühl Svoboda Bretanha, estagiária de pós-graduação em Direito Katiuscya Ayecha Heise Ferreira Binde, estagiária de graduação em Direito Natália Amaral de Oliveira.