Realmente a crise desta vez é das brabas. Ou, como diziam os médicos e agora todo mundo, para descrever algo que envolve ao organismo inteiro, “é sistêmica”. Senão, porque estaria afetando até mesmo aqueles considerados como mais equilibrados e imunes aos modismos, como é o caso dos membros da Fundação encarregada de escolher ganhadores do Prêmio Nobel? Na reunião feita em Estocolmo para decidir quem levaria o único prêmio que verdadeiramente não é Nobel, o de Economia (desde 1900 só existem cinco “Nobéis”, para física, química, medicina, paz e literatura. O Prêmio Sveriger Riksbank (Banco da Suécia) de Ciências Econômicas surgiu em 1969, mas tem sido concedido junto com o Nobel), a discussão foi difícil e começou com a pergunta do presidente:
– Quais são os candidatos?
– No momento não há nenhum, pois com a crise todas as teorias econômicas foram desmoralizadas, exceto as que previam problemas sérios “para algum dia”. Ninguém merece e sugiro seguir o exemplo da comissão que trata do Nobel da Paz que de vez em quando não dá o prêmio. A última vez foi em 1972, embora no ano seguinte tenha feito a besteira de homenagear o Secretário de Estado Henry Kissinger e o vietnamita Le Duc Tho na esperança de que acabassem logo com a guerra do Vietnã. Le Duc não quis e Kissinger mandou uma carta dizendo não poder comparecer. Indicou um representante, o embaixador dos EUA na Noruega Thomas Byrne, um cara chato.
– Exato. A guerra só acabou de fato em 75. Mas não há alguém que seja do contra?
– Bem, há um que escreve no New York Times, sempre criticando George Bush. O nome dele é Paul Krugman.
– Parece bom. Alguma idéia notável? É casado? Tem filhos?
– Tem livros, há algum tempo defendeu uma dinâmica de escala na troca de bens entre países, contudo é um keynesiano convicto e foi conselheiro econômico do presidente Ronald Reagan, o que o torna tão culpado da situação atual quanto seus colegas. Casou duas vezes e ao que se sabe não teve filhos, mas é melhor deixar isso pra lá, pois o próprio Alfred Nobel morreu solteiro aos 60 anos e não deixou descendência.
– Hummm. Fosse hoje e seria suspeito, não acha?
– Discordo da idéia de homenagear um crítico, interveio um mal-humorado sentado no outro lado da mesa. Melhor conceder logo ao próprio Bush por ter afundado a maior economia do planeta em tempo recorde, embora pudéssemos transferi-lo para o pessoal da química, por ter transformado dólares em …
– Não, não. O senhor sabe que não concedemos prêmios a icebergs, mesmo que afundem um Titanic e essa piada da química já está muito velha. Concordo que o melhor seria pular 2008, mas vamos liquidar dois coelhos ao mesmo tempo, agradando o Sveriger que dá o dinheiro deste prêmio e está pressionando, e dando uma boa mão na campanha do Barack Obama. Hoje mesmo o New York Times o apoiou.
Krugman foi laureado em parte porque na hora da confusão não estava lá, no governo. Segundo a opinião de estudiosos do Nobel, uma provável razão para que a comissão tenha conferido o prêmio num ano em que a economia mundial chegou ao fundo do poço provando que os economistas estavam fazendo tudo errado é de que, afinal, as 32 milhões de coroas deixadas originalmente para financiar as premiações foram aplicadas na Bolsa e agora é uma hora em que o patrimônio precisa ser defendido para não repetir o susto de 1929.
Uma vez que as TVs e os jornais ainda os entrevistam, os economistas continuam falando à vontade, mesmo porque acreditam não ter substitutos e, assim sendo, serão os encarregados de administrar o dinheiro que sobrar. É divertido, naturalmente se não fosse trágico, ouvir as confusas explicações de Ben Bernanke (presidente do FED), de Henry Paulsen (Secretário do Tesouro), quase iguais às dadas pelos seus antecessores Alan Greenspan e John Snow, ou mesmo dos economistas brasileiros, dos nossos Mantegas, Delfins e mil outros de menor prestígio. Um consultor econômico global, por exemplo, escreveu um artigo sugerindo: “comprem ações. Eu compro”, tentando forçar os ressabiados investidores a retornar à mesa de jogo. E o próprio Krugman acaba de aconselhar o governo americano a adquirir hipotecas de quem não pode pagá-las (isso, aqui, para a turma do Mensalão, seria uma festa) e a investir pesado em infra-estrutura, comportando-se como se fosse um saco de dinheiro sem fundos. Na Islândia e até mesmo na Inglaterra já se fala em guardar dinheiro no colchão. As Bolsas prometem recuperar-se no futuro, temendo que, caso voltem a subir de imediato, haja uma corrida para retiradas e transferência de ativos para depósitos menos instáveis. Tomara que, na hora agá, possamos decidir por nós mesmos.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional