Moratórias da dívida externa costumam ser pedidas em tempos de severa crise econômica e por real impossibilidade de pagamento das dívidas (ou dos seus juros) ou pela ocorrência de alguma catástrofe. Assim se passou com o Brasil em 1982 e 1987, com a Argentina em 2001 ou, num exemplo de perdas causadas pela natureza, com os países atingidos pelo tsunami no Oceano Índico em dezembro de 2004 quando um default foi aceito pelos próprios credores e pela comunidade internacional. Não é o caso do Equador, que reconhecidamente tem condições de saldar suas dívidas. A medida tomada unilateralmente pelo afoito economista e presidente Rafael Correa, segundo ele próprio, tem caráter mais político do que financeiro, o que deve atiçar ainda mais a ira e a pressão dos que já estão sofrendo o calote de seus empréstimos. O Equador tem se notabilizado como terra de experiências esdrúxulas e pela instabilidade de seus governos. A moratória anterior aconteceu há nove anos atrás, no curto governo de Jamil Mahuad que decidiu não honrar o pagamento de bônus de dívida Bradley com apoio do FMI e do Tesouro norte-americano, na época assustados com as recentes crises mexicana, russa e asiática, numa decisão que serviu de motivo para a dolarização da economia nacional num episódio conhecido como “la muerte del sucre” em homenagem ao fim da moeda e da estrutura tradicional das finanças nacionais.  O Equador deixou agora de pagar US$ 30,6 milhões como parte da dívida global que vence em 2012, informando que fará o mesmo com parcelas de US$ 30,5 milhões e 2,7 milhões de contas que vencem em 2015 e 2030 e com vencimentos estabelecidos para fevereiro próximo. De imediato a agência Standard&Poor’s rebaixou a nota do país sul-americano de CC para SD que significa moratória seletiva.
O Brasil, que avalizou o empréstimo de US$ 242,9 milhões através do BNDES para custear a construção da Hidrelétrica de San Francisco pela Odebrecht está querendo acreditar numa vaga promessa de pagamento feita a Lula em conversa na Costa do Sauipe na última semana, aonde Correa chegou a bordo do novo e flamante avião presidencial, um Embraer Legacy 600 para treze passageiros dotado de todas as comodidades. O embaixador brasileiro, chamado para consultas, ainda não retornou a Quito e uma juíza da localidade de Baños acaba de decretar a prisão, como medida preventiva, pois não há qualquer culpa formada, de dois funcionários da empresa Furnas. O chanceler Celso Amorim, num arroubo de rara coragem disse um desaforo diplomático, declarando que o governo equatoriano dera um tiro no pé ao levar o caso à Corte Internacional de Arbitragem em Paris.
A crise global está caindo de forma particularmente dura sobre o Equador. O barril de petróleo, com forte redução da demanda nos principais mercados compradores, está cotado a menos de 38 dólares e o crudo equatoriano, mais pesado, não alcança sequer os 12 dólares. Para agravar a situação, a OPEP em sua reunião de Oran na Argélia decidiu-se por um corte de 10% na produção a partir de janeiro que deve ser acatado por todos os países-membro.  Isso significa uma ordem para vender menos 40 mil barris diários, um desastre e na prática uma decisão impossível de ser acatada, pois acarretaria um prejuízo anual superior a US$ 340 milhões. Dentre as conseqüências da moratória, destacam-se embargos a ativos equatorianos pelos credores que também atacariam as exportações, dificuldades para a renegociação da dívida, queda no investimento externo com menor acesso a créditos externos, aumento da dependência de apoio de países amigos como a Venezuela que igualmente está sendo atingida pela queda dos preços e da procura pelo petróleo.
No nível da retórica, cada vez mais retumbante para conter possíveis reações populares, Correa amplia suas áreas de atrito. A auditoria da dívida, produzida à pedido dele mesmo, desanca sem dó nem piedade metade do país, considerando como culpados pela contração de débitos hoje tidos como imorais e ilegítimos a uma longa lista de altas autoridades, diretores do sistema financeiro em geral, quase todos ainda presentes na política, nos negócios e na sociedade nacional. Suas justificativas assemelham-se em sua inocência às dadas pelo boliviano Evo Morales, para quem as dívidas contraídas pelos governos militares e neoliberais devem ser anuladas, reconhecendo-se apenas as que têm razões sociais, feitas por administrações revolucionárias. Mesmo assim, Correa comunicou ao país que “podemos passar por um vale de lágrimas”, restando saber se o povo equatoriano estará disposto a apoiá-lo nesta sua cruzada contra o mundo.        


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor, analista internacional