Está em marcha uma verdadeira revolução no sistema de saúde, não aqui no Brasil – onde a população tem carências tremendas e o governo parece satisfeito com o que oferece – e sim nos Estados Unidos de Barack Obama para quem a elevação sem controle dos gastos em saúde está punindo as famílias e os negócios em todo o país, acrescentando que não se trata de algo que possa ser esquecido porque há uma emergência no campo econômico. Na verdade, a crise da saúde faz parte da emergência, afirmou, ao nomear o ex-senador e ex-líder democrata Tom Daschle como seu Secretário de Saúde. Numa população de 306 milhões de habitantes, 47 milhões não possuem seguro de saúde e os gastos anuais superiores a 2 trilhões de dólares (cerca de 16% do PIB nacional) representam o dobro da média per capita dos países mais industrializados, deixando longe o segundo colocado, a Suíça. Tradicionalmente os americanos vão à falência quando uma doença severa acomete um dos seus membros, ao ponto de que hoje esta é a causa de metade das bancarrotas familiares. Num sistema organizado com base nas regras de mercado onde o ideal é a livre escolha do profissional pelo paciente (e vice-versa), idéias relacionadas a um sistema de atendimento universal, como agora os democratas voltam a defender e que vêm sendo formuladas desde os tempos de Theodore Roosevelt, nunca obtiveram sucesso e contam com dura oposição da Associação Médica Americana. O governo oferece proteção a seus funcionários; tem alguns Centros Comunitários de Saúde; serviços para migrantes, índios, prisioneiros, guarda costeira e veteranos; além dos programas Medicaid para indigentes e Medicare para idosos. Para a população trabalhadora vigora o regime dos Planos de Saúde. Este modelo resultou em um aumento de 98% no preço das mensalidades no período 2000 a 2007, quando os salários subiram 23%.
Daschle, autor do livro “O que podemos fazer a respeito da crise de saúde” (Critical: What we can do about the health-crisis) junto com Jeanne Lambrew, que vai com ele para o Ministério, diz que o objetivo é fazer com que todos tenham o que os membros do Congresso, ativos e aposentados, têm e propõe uma estrutura de responsabilidade compartilhada por parte do governo, empregadores, médicos e hospitais, segurados e indivíduos em geral. Dispõe-se a criar uma Junta Federal de Saúde (Federal Health Board) similar ao Federal Reserve ou Banco Central da área econômica, idéia que já conta com ativa oposição dos produtores de insumos médicos (da Advanced Medical Technology Association) que prevêem sérios problemas diante de uma organização centralizada que possa “negar às pessoas o livre acesso a tratamentos seguros e efetivos ou impor padrões de preços a tratamentos a serem pagos inclusive pelas Seguradoras”. Daschle, considerado um dos únicos políticos no país capazes de levar adiante uma proposta baseada no conceito de “saúde para todos”, quer expandir o programa federal, subsidiar planos de saúde para quem necessite (apoio do governo para que ninguém tenha de pagar mais do que uma porcentagem do salário pelo Plano de Saúde), fortalecer o Medicaid, reduzir custos pela via da prevenção e pela oferta de tratamentos e medicamentos de menor valor com boa qualidade, aumentar o número de Centros de Saúde para atender aos mais pobres e não-segurados.
O debate é aberto. No site da transição https://change.gov qualquer pessoa pode inscrever-se para “formar um grupo de discussão sobre o sistema de saúde em sua casa, num centro comunitário ou mesmo no bar da esquina, de 15 a 31 de dezembro”. O líder recebe um kit com orientações sobre como moderar um grupo e comunicar-se com a equipe de Daschle, que espera participar pessoalmente em algumas reuniões. Não se trata de um SUS (Sistema Único de Saúde) norte-americano. O Plano Obama-Biden para a saúde é de “fortalecer planos de empregadores, submeter a controles as empresas de saúde e assegurar a escolha por parte de cada um do seu médico e dos cuidados de que necessite sem interferência do governo”, embora o Health Board de Daschle torne relativa esta última afirmativa numa clara conseqüência dos novos tempos em que há uma presença cada vez maior do poder público na economia. Depois do insucesso da Lei de Segurança da Saúde proposta por Hillary Clinton durante o governo de seu marido (não foi aprovada pelo Congresso), hoje o maior desafio é obter os recursos financeiros que permitirão conciliar os sonhos democratas de cobertura universal com a crise econômica, ou seja, em condições bem mais duras do que no início dos anos noventa. Tanto o governo federal quanto os estados enfrentam dificuldades para pagar as despesas com o Medicaid e estimativas preliminares indicam que serão necessários US$ 100 bilhões ao ano para fornecer serviços básicos ou mínimos de saúde para todos e isso se o caminho escolhido não for o de subsidiar Planos de Saúde particulares, cuja avidez por dinheiro não parece ter limites.
Vitor Gomes Pinto
Doutor em Saúde Pública, Escritor e analista internacional