Os guerrilheiros das FARC entregaram por sua própria iniciativa os dois últimos civis que figuravam na lista de seqüestrados originalmente indicados para uma possível troca com guerrilheiros presos nos cárceres colombianos. O penúltimo deles foi o ex-governador do estado de Meta, Alan Jara, cujas declarações deixaram autoridades e boa parte da população abismadas. “A guerrilha não está derrotada, tem uma rede de abastecimento e uma logística invejáveis, e os jovens continuam entrando para seus quadros. Não há maus tratos ou humilhação. Simplesmente nos dão o que existe, ou seja, uma pobre alimentação”. De imediato teve de defender-se dos que o acusaram de sofrer da Síndrome de Estocolmo (o prisioneiro identifica-se emocionalmente com seu carcereiro), tendo de explicar que não estava defendendo as Farc que por mais de sete anos o mantiveram prisioneiro, e sim explicando que a mesa de negociação é a única alternativa para a guerra interminável. Tanto Jara quanto o ex-deputado de Valle, Sigifredo López e os três policiais que junto a um sargento do exército foram liberados com apoio de helicópteros brasileiros poucos dias antes, apresentavam no momento da liberação “boas condições de saúde” segundo os respectivos laudos médicos. É um quadro que repete o verificado com os liberados pela guerrilha no ano passado e mesmo Ingrid Betancourt não retornou à liberdade em péssimas condições físicas como antes se divulgara com insistência. Falando a este respeito, Jesús Santrich do Bloco Caribe das Farc, para quem a selva não é lugar para tirar férias, opinou que as condições da mata não são tão duras quanto as das prisões onde são mantidos os guerrilheiros que caem prisioneiros. Ao descrever um dia típico no cativeiro, Jara disse que às 5 da manhã ouviam o programa de rádio com notícias das famílias, às 6 lhes eram tiradas as correntes – usadas, segundo ele, para impedir que fugissem durante a noite – e tomavam café. Em seguida tinham aulas até o ½ dia (ele ensinava inglês e russo ao seu grupo), seguindo-se o almoço e a hora do banho, um tempo para descanso e distração e então esperar a noite para viver o dia seguinte.
A guerrilha sem dúvida tem uma organização incrível para manter-se na luta por quase 43 anos, mas comete erros que estão se tornando freqüentes. O pior deles aconteceu em 18 de junho de 2007, quando onze deputados do estado de Valle (o 12º, Sigifredo López, escapou por estar em outro local) que estavam em poder da Frente 60 foram assassinados a sangue frio pelos seus carcereiros porque, numa trapalhada, a Frente 29 também das Farc a atacou. Os primeiros pensaram que estavam sendo agredidos pelo Exército e os segundos acharam que era um bloco do ELN (guerrilha concorrente) do qual queriam vingar-se. Sob intensa pressão da política de Segurança Democrática do presidente Álvaro Uribe que desfechou uma ofensiva militar que mantém a guerrilha encurralada impedindo até mesmo a comunicação livre entre seus chefes, os reveses no ano passado foram catastróficos: a morte dos três líderes maiores – Manuel Marulanda, Raul Reyes e Ivan Rios -, além da Operação Xeque na qual o Exército libertou sem dar um só tiro a Ingrid Betancourt e aos três norte-americanos.
A estratégia de nomear 60 seqüestrados por razões políticas como moeda para troca pelos guerrilheiros presos, foi um tiro que saiu pela culatra ao resultar numa grande movimentação do povo colombiano pelas suas libertações e a concentração dos esforços repressivos governamentais em torno do grupo. Por várias razões, hoje restam 25, todos policiais ou militares. Deles o mais graduado é o Coronel da Polícia Luis Mendieta, há mais de dez anos na selva (os mais antigos são os cabos Pablo Moncayo e José Martinez que caíram em dezembro de 1997). Manter este grupo sem ter um território sagrado onde não sejam fustigados diariamente pelas Forças Armadas, tornou-se cada vez mais inviável, o que parece ter levado Alfonso Cano, o atual Número Um das Farc, a abrir mão dele, permanecendo, no entanto, com todos os seqüestrados por razões financeiras, mais de 800 pessoas, sobre as quais inexiste clamor popular, pois são do interesse direto somente das próprias famílias. A liberação voluntária de reféns não é uma novidade: segundo o jornal El Tiempo, 428 sequestrados civis ou fardados recuperaram a liberdade desde 1997. Agora a esperança da guerrilha, que necessita cada vez mais desesperadamente respirar por meio de negociações de paz que lhe permitam rearticular-se, é que liberações gradativas criem um clima favorável no país a entendimentos com Uribe, que poderá tornar-se menos duro à medida em que a campanha para as eleições de 2010 avance. Uribe acha que está perto de inviabilizar as Farc e tem amplo apoio da população, mas não o conseguirá no ano e meio de mandato que lhe resta. Caso não se lance na aventura de um terceiro período na Casa de Nariño (Palácio de Governo), terá de confiar em um substituto à altura. Os próximos dois anos serão decisivos para sabermos se a guerrilha será fortalecida ou arrasada. 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional