O otimista incorrigível e o crítico pessimista foram jantar. Com as esposas, comemorando um novo negócio e os aniversários de casamento. Uma noite, também, para brindar recordações, amores.
– Que maravilha! O Brasil está, afinal, realmente no primeiro mundo!
Desconfiado, o pessimista interessou-se pelos motivos.
– Estamos iguais aos mais adiantados países do mundo. Suíça, Estados Unidos, Finlândia. A nova legislação que pune quem dirigir depois de beber álcool é um exemplo. Um ato de coragem! E contou um jantar com um casal alemão amigo em Berlim. Ele se desculpara porque não compartilharia o vinho à mesa, pois ele é quem iria dirigir. A esposa foi escalada para acompanhá-lo, na bebida naturalmente.
– Ah, a lei seca, a 11.705! Deverá ter o mesmo destino dos pardais no trânsito.
– Os controles eletrônicos de velocidade? São ótimos, não são?
O pessimista não resistiu e mesmo ao risco de complicar o jantar, reagiu.
– Transformaram-se rapidamente nos mais eficazes arrecadadores de multas da história. E sem prestação de contas à sociedade. Ainda se as ruas tivessem melhorado, os buracos sumido, os semáforos funcionando em boa sincronia, guardas ajudando. Nada! O dinheiro novo, um montão, foi absorvido pela máquina pública de triturar tudo o que entra no caixa e os problemas continuam aí.
O otimista não gostou, mas teve de concordar, cutucado pela esposa. Mas, achava que tudo seria pelo bem e ouvira falar que o próprio presidente daria o exemplo.
– O presidente tem motorista. Quem sabe todos seguem o exemplo e contratam um? A lei seca é um novo imposto. Quem os cria costuma tomar o cuidado de fazer com que recaiam sobre quem pode pagar. E alguém que vá a um restaurante é uma vítima natural. Os criadores brasileiros de impostos sim, estão entre os mais eficientes da face da terra. Primeiro mundo é isso ai!
– Não se preocupe, amigo. É para melhorar. Com o dinheiro que vai entrar os serviços policiais serão aperfeiçoados, os salários melhorarão. Que nem a Polícia Montada do Canadá, conhece? Lá os gendarmes têm o maior orgulho do uniforme que vestem. Está sempre brilhando. As ruas ficarão mais seguras e se você morar perto do restaurante poderá ir e voltar a pé, como era em Buenos Aires.
– Meu irmão fez isso ontem à noite e foi assaltado no Rio, ficou sem um tostão. Os assaltantes eram policiais que, na folga, “trabalhavam” numa milícia. Não havia um único gendarme fardado à vista e quando compareceu ao posto para registrar queixa disseram-lhe que o assunto era corriqueiro. Não valia a pena gastar um formulário. Um conhecido foi assaltado no ônibus e outro no metrô. Melhor não arriscar.
– Você só tem pensamentos negativos. Cuidemos do jantar, olha o garçom ai.
– Um aperitivo doutor? E o vinho? A carta continua sendo a melhor da cidade.
A senhora do pessimista sugeriu “aquele vinho argentino da outra vez. Excelente para acompanhar a carne que já pedimos”.
– Não, não. O melhor é um bom suco de frutas. Tem mangaba?
– Infelizmente não, senhor. Temos todas as cervejas, champanhes, espumantes.
– Ora, disse o otimista. Vamos brindar ao Brasil novo. Deixe de se preocupar e eu assumo os riscos. Dirijo na volta. Traga o vinho que a senhora está recomendando.
O jantar decorreu animado. Foi uma garrafa só para três. A senhora do pessimista preferiu malzbier. Na sobremesa, como de costume, papaia com cassis. Despediram-se. Rodaram meia quadra com o carro. Na esquina, a barreira policial. E o bafômetro: vexame total. O otimista numa posição ridícula no asfalto. Deu 1,25 mg por litro. Sem discussão: vai em cana, carro apreendido e multa de R$ 955,00. Que azar!
– Azar não, explicou o guardinha, salário de R$ 950,00. O comandante deslocou os efetivos para portas de restaurantes. São uma mina de dinheiro! Ninguém escapa. O bafômetro pega até remédio, o licorzinho do bombom e o cassis do mamão papaia.