Considerado como um dos mais promissores países africanos quando o atual governo tomou posse em 1980, o Zimbábue padece hoje de cinco males que se interligam e o sufocam: o presidente Robert Mugabe, a inflação, as epidemias de cólera e Aids, as enchentes e o caos agrícola. Mugabe, 84 anos, e seu partido, o ZANU-PF, conduziram o país a uma crise sem precedentes que lhes causou a derrota nas eleições do ano passado para o único arqui-inimigo remanescente, Morgan Tsvangirai do Movimento para a Mudança Democrática. Os resultados foram fraudados e Mugabe negou-se a deixar o poder. Um acordo patrocinado pela Comunidade de Desenvolvimento do Sul da África (CDSA) em setembro estabeleceu que os dois líderes deveriam governar juntos. O ZANU-PF de novo boicotou os entendimentos e a CDSA voltou à carga, prevendo-se no momento que Tsvangirai tornar-se-á o Primeiro-Ministro na próxima 4ª. feira, 11 de fevereiro, permanecendo Mugabe como Presidente. Terão de dividir os governos provinciais e o comando da economia e das Forças Armadas.
A inflação é a maior do mundo: 231 milhões por cento no ano. Os preços dobram a cada dia e a maior cédula, de 100 trilhões de dólares zimbabuanos, vale 300 dólares norte-americanos no câmbio oficial e 30 no negro (enquanto você lê, já vale 29). Depois de cortar dez zeros da moeda no ano passado, o Banco Central acaba de eliminar mais doze, de maneira que os cem trilhões agora são iguais a um. O governo autorizou o uso de dólares dos EUA, de libras esterlinas e rands sul-africanos, enquanto professores, médicos e enfermeiras que não conseguem fugir para outro país seguem em greve reivindicando salários nessas moedas. Com o sistema de saúde falido, as doenças se espalham. Sem solução para a contaminação pelo vírus HIV, o agente da Aids, que ataca um adulto ou criança a cada dois minutos e meio, um agressivo surto de cólera já faz uma vítima a cada minuto e meio (1000 novos casos por dia com mortalidade, altíssima, de 6%). O cólera é uma infecção intestinal aguda causada pelo vibrião colérico, transmitido pela ingestão de água ou alimentos contaminados pelos doentes. Pode ser facilmente prevenido e controlado por medidas sanitárias adequadas, mas o sistema de abastecimento de água desde que foi centralizado em maio de 2005 entrou em colapso. O governo, reconhecendo tardiamente o erro, devolveu a gestão às cidades, além de autorizar a cobrança das tarifas em dólares dos EUA e rands tentando viabilizá-las financeiramente, mas a medida deve ser inútil enquanto a economia não se reorganizar. Com 65 mil contaminados e 3.300 mortos, um espetáculo comum nas ruas é o de doentes sendo carregados em carrinhos de mão para centros de saúde e hospitais que não tem meios para tratá-los. O cólera ameaça os países vizinhos e transforma-se em um estigma. Em Ramokgwebana, pequena cidade do Botsuana na fronteira, as pessoas evitam apertar a mão dos zimbabuanos que, ao apresentarem sintomas da enfermidade, são tratados e de imediato devolvidos ao seu país. A África do Sul declarou “zonas de desastre” as áreas que a limitam pelo rio Limpopo com o Zimbábue.
Para complicar a situação, a estação de chuvas torrenciais estende-se pelo menos até meados de março, afetando principalmente o norte no vale do rio Zambezi. O próprio Ministro da Saúde, David Parirenyatwa, reconhece que as enchentes são um forte fator predisponente em relação ao cólera e podem anular os esforços feitos para enfrentar a epidemia. A fome que torna metade dos 13,3 milhões de habitantes dependente de ajuda alimentária internacional se deve à desarticulação da agricultura a partir da reforma agrária de Mugabe que no ano 2000 expulsou cerca de 4 mil fazendeiros brancos entregando, sem indenização, as terras para negros sem experiência nem acesso a equipamentos que trataram de aprender rápido, mas a política de comercialização adotada pelo governo central os destruiu. Plantadores de fumo, algodão, milho e grãos em geral foram forçados por lei a vender sua produção a monopólios estatais que os pagavam com cheques em dólares locais descontados com vagar pelos bancos, desvalorizando-se ao ponto de não cobrir nem os custos e forçando-os a depender, na safra seguinte, de custosos empréstimos de organizações governamentais de fomento. Sem lucro, os agricultores terminaram abandonando as terras e o país de exportador de alimentos tornou-se um grande importador até que a inflação estratosférica impediu-o de comprar no exterior e de alimentar o povo. A combinação desses cinco fatores é trágica. Nas palavras de um assessor da Cruz Vermelha, simplesmente as pessoas estão morrendo de Aids e de cólera antes que possam morrer de fome. As exigências de Ban Ki Moon, o Secretário-Geral da ONU, de que os presos políticos sejam libertados e os direitos humanos obedecidos, não estão sendo atendidas e, por ora, as sanções econômicas internacionais estão mantidas, à espera dos resultados da administração compartilhada entre Tsvangirai e Mugabe.


 


Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional.
Autor do livro ZIM: uma aventura no sul da África.