THALES DE MENEZES
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Uma Espécie de Família” é mais uma demonstração da capacidade do cinema argentino para contar boas histórias. Enredos às vezes nada extraordinários, que extraem encantamento da vida comum. O longa do diretor Diego Lerman vai além disso, numa trama sofrida, com reviravoltas inesperadas.
O roteiro mostra Malena, uma médica que deixa Buenos Aires e percorre mais de 800 km até uma cidadezinha miserável. Põe miserável nisso. Ela vai até lá para acompanhar o parto do bebê que irá adotar, segundo combinação prévia com a mãe da criança, sem condições de cuidar dela.
Depois de alguns minutos de ótimo cinema intimista, com incertezas e temores da personagem exibidos em sequências delicadas, lentas, o menino nasce e aí vem a primeira sacolejada na trama. Depois de contratar uma babá local e ter o gostinho de pegar o bebê no colo, ela é surpreendida com um esquema de extorsão.
O avô do bebê conta uma história nada confiável sobre problemas repentinos na família e pede US$ 10 mil para liberar a criança. Malena se revolta, decide não ceder ao pedido e tenta ajuda de todos os lados. Até do marido, que ficou em Buenos Aires. Ao que parece, ele não compartilha do plano de adoção.
Logo a mulher perceberá que o esquema de extorsão é muito mais complexo, ultrapassa o oportunismo de uma única família. O filme quase é desviado para o gênero policial, mas a angústia de Malena segura a história no trilho de um drama psicológico, pesado, bem escrito e bem interpretado.
A obrigatoriedade de uma atriz talentosa para conduzir o espectador nessa espiral de desamparo é totalmente preenchida pela presença magnética da espanhola Bárbara Lennie. Aos 33 anos, e cada vez mais reconhecida nos festivais pelo mundo, ela empresta uma beleza madura para um tipo que vai da melancolia a atitudes desesperadas. Na jornada errática de Malena, a atriz dá toda a credibilidade necessária à personagem.
Lerman tem muitos recursos para criar sequências que emocionam e, às vezes, trazem um suspense de grudar o espectador na poltrona. Mas “Uma Espécie de Família” decepciona um pouco aqui e ali, com algumas cenas que não cumprem bem uma função dramática, como a que mostra Malena e a mãe do bebê deixando a maternidade numa discussão histérica.
Há também um personagem nada resolvido, o médico Costas (Daniel Aráoz), criado certamente para parecer dúbio, mas perdido nessas idas e vindas da história.
Recheado de acertos, o filme tem uma solução final que dificilmente irá agradar a todos na plateia. Mas, no cenário do que se apresenta agora no circuito, é opção imperdível para quem gosta de bom cinema.

UMA ESPÉCIE DE FAMÍLIA (UNA ESPECIE DE FAMILIA)
QUANDO estreia nesta quinta (8)
ELENCO Bárbara Lennie, Daniel Aráoz, Paula Cohen
PRODUÇÃO Argentina, 2017, 10 anos
DIREÇÃO Diego Lerman