Fresca, não. Fresquíssima. Seja in natura ou seca. A grande diferença estará na textura e na concentração do sabor. Lisa, homogênea, firme ao toque, alva e vigorosa. Eis a coalhada fresca. Ou então, mais consistente, rija, aerada e até um pouco áspera, mas ainda homogênea e cremosa – essa é a coalhada seca, que varia conforme o tempo de maturação.

A receita é simples. Combine-se leite, calor e algumas bactérias e se chegará à coalhada. E foi provavelmente assim, dessa combinação acidental, que a coalhada surgiu, na Ásia Central, entre as tribos nômades que tinham o costume de carregar leite em suas viagens.

Um dos primeiros registros da presença da coalhada no Ocidente ressalta o caráter “milagroso” do leite fermentado por bactérias. Pelas mãos de um médico judeu de Constantinopla, o misterioso leite curou a dor de barriga que durante anos afligiu o rei da França François I, que viveu no século 15.

Turcos e búlgaros são os detentores históricos dos mistérios que envolvem a boa fermentação. E foi da região onde vivem que saíram as bactérias usadas industrialmente para o desenvolvimento do iogurte nos países ocidentais.

Se você faz confusão entre coalhada e iogurte, fique sabendo que existe, de fato, uma diferença entre eles. O leite fermentado em casa leva o nome de “coalhada”. O termo “iogurte” é empregado para a versão industrializada e vem da palavra em inglês yogurt, corruptela do turco íuHrt.O iogurte é fermentado principalmente pelas bactérias Streptococcus salivarius themophilus e Lactobacillus delbrueckii sp.bulgaricum.

Na boca, um leve toque ácido faz o pano de fundo para que a massa láctea, untuosa, consistente e fina gele seu palato e faça você salivar. A coalhada combina perfeitamente com uma fatia de pão e um fio de azeite. E não por acaso serve de base para uma infinidade de pratos tradicionais da cozinha árabe. Detalhe: para os orientais ela faz parte do mundo salgado. Servi-la como doce, é aculturação, como adverte Xmune Isper, a libanesa cozinheira do restaurante Tenda do Nilo, em São Paulo.

A coalhada búlgara tem a fama de ser a melhor do mundo. E há indícios científicos para isso: alguns micro-organismos só conseguem se desenvolver em condições existentes nos Bálcãs. E eles fazem toda a diferença. Mas, as mães orientais (e ocidentais também: mães não têm Denominação de Origem Controlada) não costumam respeitar as certezas científicas e, alheias a elas, preparam suas coalhadas que fazem a festa de judeus, persas, paquitaneses, hindus, afegãos, brasileiros…

Como aqui também se faz a cremosa da boa, a reportagem foi atrás dos segredos de três endereços, onde a coalhada vale a visita: Arabia, Halim e Tenda do Nilo. A conclusão é que a coalhada não é difícil de fazer, mas, como em tudo que é extremamente simples, a diferença está nos detalhes.

Modo de Preparo

1. Ferver – Ferva o leite, tire a nata de cima e espere esfriar um pouco. Teste a temperatura com o mindinho. Se aguentar 10 segundos, é hora de coalhar

2. Coalhar – Transfira para outra vasilha, já ‘suja’ com um pouco de coalhada ou iogurte. Tampe, abafe com um cobertor e deixe descansar por 12 horas

3. Resfriar – Meta a colher: a coalhada deve estar firme e vigorosa. O aroma, lácteo e sutilmente ácido. Esta é a coalhada fresca. Leve para a geladeira

4. Escorrer – Para fazer coalhada seca, ponha a ‘fresca’ num coador, saco de pano ou pano de prato (unindo as 4 pontas) e pendure na torneira do tanque ou pia

5. Secar – Deixe escorrer por no mínimo oito horas, até constatar que a coalhada esteja firme, cremosa, consistente e branquinha

6. Finalizar – Tire do coador e salgue misturando suavemente, para uniformizar o interior (mais úmido) com a superfície, mais seca.