Quase 30 anos após a Guerra das Malvinas, o governo argentino pressiona o Reino Unido com represálias mais simbólicas do que efetivas para que aceite negociar a soberania das Ilhas, e a tensão bilateral vem crescendo.

O conflito chegou na terça-feira a outro patamar, após a presidente Cristina Kirchner ordenou que fosse recomendado a cerca de vinte empresas de grande porte que deixassem de importar produtos do Reino Unido.

Em reação a essa atitude, Londres convocou nesta quarta-feira o encarregado de negócios da Argentina para pedir explicações pela tentativa de bloquear exportações britânicas e por um incidente com dois cruzeiros no porto de Ushuaia.

Kirchner está realizando uma agressiva campanha de controle e substituição de importações, mas neste caso a recomendação foi marcada por um forte viés político, a apenas um mês da data em que será lembrado o início da guerra.

“Estas medidas tendem a elevar os custos políticos e econômicos da Grã-Bretanha, que precisa de mercados e exportar produtos porque está atravessando uma situação interna complexa”, disse à Juan Tokatlian, diretor de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade de San Andrés.

Tokatlian, sociólogo com mestrado na universidade americana Johns Hopkins, afirmou que a intenção do governo é “mostrar a Grã-Bretanha para a América Latina como um ator obstinado do conflito que nem sequer contempla um diálogo bilateral”.

“Mas não acredito que isso leve necessariamente a uma deterioração nas relações. Não estamos em um cenário de escalada”, destacou o analista.

Em uma medida que pela primeira vez alcançou o turismo, a Argentina proibiu na segunda-feira dois cruzeiros britânicos de atracar em Ushuaia, capital da província em que a Argentina inclui as Malvinas, segundo sua Constituição.

O arquipélago está em poder do Reino Unido, cujas tropas expulsaram as autoridades argentinas em 1833 e instalaram uma colônia que agora abriga quase 3.000 britânicos, com um alto nível de vida, favorecidos pelas receitas obtidas com a pesca e o petróleo.

A ditadura argentina do general Leopoldo Galtieri invadiu e reconquistou as ilhas no dia 2 de abril de 1982 e suas tropas se renderam 74 dias depois a uma força-tarefa enviada pela então primeira-ministra, Margaret Thatcher, que fez a popularidade dela aumentar.

Por outro lado, a ditadura argentina foi derrubada e teve que realizar eleições vencidas pelo social-democrata radical Raúl Alfonsín em 1983.

“As medidas (de Kirchner) têm dois lados. Um comercial e outro político, que convergem. Continua substituindo importações, mas também sabe-se que as relações com a Grã-Bretanha não estão passando por um bom momento”, disse à AFP Mauricio Claveri, analista da consultora Abeceb.com

Claveri, economista especializado em comércio internacional, disse que “se as empresas poderão cumprir ou não as recomendações, dependerá da maior disponibilidade para substituir suas importações”.

“Os maiores operadores (locais) do comércio sempre sabem que vão ter que estabelecer algum tipo de compromisso de melhorar sua balança e para outros, isso afetará a atividade”, analisou Claveri.

Segundo a consultora Desenvolvimento de Negócios Internacionais (DNI), as exportações argentinas para a Grã-Bretanha alcançaram em 2011 cerca de 805 milhões de dólares (soja e outras matérias primas), enquanto as importações foram de 655 milhões (químicos, farmacêuticos e autopeças).

Mas a Argentina sofreu uma queda de 12% no superávit da balança comercial global em 2011, o que levou Kirchner a aumentar o protecionismo às custas de desatar protestos entre seus sócios do Mercosul (Brasil, Uruguai e Paraguai).

“As exportações para o Reino Unido são negócios submetidos à atual situação de conflitos diplomáticos em torno da soberania das Malvinas”, comentou o diretor de DNI, advogado e economista, Marcelo Elizondo, mestre pela Universidade Politécnica de Madri.

Elizondo disse que “o esfriamento do ambiente pode ter efeitos nos vínculos comerciais. O Reino Unido é o quinto mercado em importância na União Europeia (UE) para Argentina”.

Londres também pediu nesta quarta-feira à União Europeia que expressasse preocupações similares pelas medidas argentinas.

Pouco depois, a União Europeia anunciou que dará os passos “diplomáticos apropriados” para tentar resolver a disputa comercial entre Argentina e Grã-Bretanha.

“A União Europeia iniciará os procedimentos diplomáticos apropriados com o objetivo de esclarecer as legítimas preocupações comerciais”, disse à AFP o porta-voz da Comissão Europeia para questões comerciais, John Clancy.

Durante a guerra, há 30 anos, morreram 649 argentinos e 255 britânicos, a quem ambos os países renderam homenagens separadas este ano em Ushuaia e Port Stanley (capital das Malvinas).