Os museus e centros culturais brasileiros estão órfãos com o fim da Fundação Vitae. A instituição fechou as portas no mês passado, após 21 anos financiando obras, aquisição de equipamentos e formação de pessoal. O fundo que a criou esgotou-se.
Nessas duas décadas aplicou US$ 55 milhões (cerca de R$ 120 milhões, descontadas as inflações brasileira e americana) em itens pouco visíveis mas fundamentais à manutenção dos acervos, inclusive o inventário de todos os objetos e peças existentes nos monumentos tombados do País.
A Fundação foi criada em 1985, com o dinheiro apurado na venda da mineradora Hoschschild, que atuava no Brasil, Argentina e Chile. Destinou US$ 115 milhões ao Brasil (R$ 340 milhões, em cifras de hoje), para aplicar em educação, cultura e promoção social. Além dos museus e do inventário, quase 400 projetos espalhados por 132 instituições, investiu também em pesquisa e produção de arte, através de bolsas. “Nosso critério era a importância do acervo e a consistência do projeto. Orientávamos as instituições a não dar passos maiores que as pernas”, ensina a diretora-executiva da Vitae, Regina Weinberg. “Fizemos nosso trabalho, agora os museus devem achar outros financiadores.”
Não é tão simples. “A Vitae não exigia publicidade e, como instituição privada, tinha burocracia mínima, embora a fiscalização fosse constante”, diz a diretora do Museu Histórico Nacional, Vera Tostes. A parceria com o MHN começou em 1993, com a reforma do laboratório de restauro de papel, prosseguiu com a criação dos laboratório de cerâmica e madeira e terminou este ano com a inauguração da exposição de carruagens. “Na pesquisa, descobrimos uma que foi de dom João VI, o que torna nossa coleção uma das mais valiosas do mundo.”
A diretora do Museu Nacional de Belas Artes, Mônica Xexéu, faz coro. O MNBA tem o maior acervo de arte do País, cerca de 18 mil obras, e sua preservação evoluiu com financiamento da Vitae. “Eles atuavam no coração do museu, em setores invisíveis mas fundamentais”, diz Mônica.
Desde 1989, o MNBA aumentou a reserva técnica, ampliou os laboratórios de restauro e implantou novas tecnologias, como o programa de informatização, repassado para outras instituições como a Pinacoteca e o Museu de Arte de São Paulo (Masp). Hoje o prédio passa por uma reforma completa, orçada em R$ 9 milhões, vindos Petrobras, Caixa Econômica Federal e Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pela Lei Rouanet. “A Vitae inspirou as estatais.”
O diretor do Departamento de Museus do Ministério da Cultura, José Nascimento Júnior, reconhece que a lacuna é importante. “Mas não insuperável. Desde 2004 negociamos com as estatais o financiamento desses projetos, pela Lei Rouanet. Este ano conseguimos R$ 17,5 milhões do próprio MinC, da Petrobras, da Caixa e do BNDES”, enumera Júnior. “Agora só falta sensibilizar a iniciativa privada, que quer visibilidade para seus financiamentos.”
Este ponto emperra o inventário dos objetos tombados (imagens, objetos de uso doméstico, culto e decoração etc) que começou nos anos 80, consumiu R$ 3,5 milhões (em cifras de hoje) mas só foi concluído em Minas, Maranhão, Bahia, Sergipe e Alagoas, pois consiste em fotografar e descrever em detalhe cada item. Nos cálculos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o Brasil tem 500 mil desses objetos, dos quais 80 mil foram inventariados. O Rio tem essa quantidade, mas aqui o trabalho só começou.
“O inventário é fundamental para se evitar e investigar roubos”, explica a gerente do setor no Iphan, Isabel Serzedelo. O órgão também busca se adequar às exigências dos possíveis financiadores. “Podemos fazer um livro ou CD do inventário, mas o Iphan, como fiscalizador dessa área, não pode ser beneficiário direto das leis de incentivo. Então, temos que buscar um intermediário e propor um projetos que resultem em produtos palpáveis.”