Contrariando a lógica da desestatização, implementada no Brasil nos anos 1990, o modelo de concessão da administração e operação de três aeroportos à companhias privadas, verificada em fevereiro de 2012, determinou a presença compulsória do Estado como acionista, mesmo que minoritário, atestada pela participação de 49% da Infraero nos três consórcios vencedores, sendo um para cada base privatizada.

Das 11 propostas apresentadas na abertura do leilão, amparado em maior lance e não na menor tarifa, privilegiando o pagamento da outorga e não a impulsão da qualidade dos serviços prestados, os conjuntos vencedores foram: para Guarulhos – R$ 16,2 bilhões, por 20 anos – Invepar-Investimentos Parti­cipações e Infraestrutura, formado predominantemente pelos fundos de pensão Previ (Banco do Brasil), Petros (Petrobras) e Funcef (Caixa Econômica Federal), e Airport Company South Africa (ACSA), entidade responsável pela operação de nove terminais na África do Sul, sendo três internacionais; para Viracopos – R$ 3,8 bilhões, por 30 anos – Aeroportos Brasil, constituído pela Triunfo Participações e Investimentos (45%), UTC Participações (45%) e o grupo francês Egis  Airport Operation (10%); e para Brasília – R$ 4,5 bilhões, por 25 anos – Inframérica Aeroportos, composto pela Infravix (Engevix) Participações (50%) e a Corporación América (50%, argentina que atua em quase 50 aeroportos na América do Sul e Itália.

É claro que os apreciáveis ágios registrados nas transações – quase cinco vezes acima do preço mínimo, ou 159,8% para Viracopos (Campinas), 373,5% para Guarulhos e 673,4% para Brasília – estão intimamente ligados à envergadura das carências infraes­truturais brasileiras a serem cobertas. Porém, os sobrepreços também representam incontestável aposta na majoração das tarifas cobradas, se não houver substancial acréscimo de produtividade das operadoras. Os robustos reajustes dos preços para a utilização dos terminais e do espaço aéreo, em cerca de 50% e 150%, respectivamente, autorizados ainda em 2011, reforçam essa suposição.

Em uma perspectiva de continuidade desse processo de desestatização, encaixado em um plano de reestruturação dos serviços aéreos e de formação de uma rede nacional, é prudente lembrar  que apenas 7 dos 66 aeroportos controlados pela Infraero operam com lucro, entre eles, Guarulhos e Campinas, sendo o de Brasília deficitário. Esse fenômeno coloca a necessidade de cogitação da possibilidade de incorporação, quando das novas concessões, de exigências de carregamento de unidades mais desequilibradas financeiramente.

Do contrário, a parte estatal remanescente, da concessão pela metade do sistema, ficará à mercê da menor produtividade da Infraero. A arrecadação total de R$ 24,5 bilhões (49% desembolsados pela estatal), oriunda da outorga dos três aeroportos e destinada ao Fundo Nacional de Aviação Civil, deverá ser empregada primordialmente na recuperação dos terminais que permanecerem sob a gerência do Estado.

Outras restrições relevantes levantadas correspondem à participação dos fundos de pensão (no  consórcio de Guarulhos), cujas gestões tem-se revelado extremamente sensíveis às interferências políticas do governo federal e carecido de regulação adequada quanto ao destino dos recursos, compatível com os interesses preferenciais dos apli­cadores; e à reduzida rentabilidade dos negócios, calculada entre 6,0% e 8,0% ao ano, em face do prolongado intervalo de tempo de amortização dos vultosos recursos endereçados à compra da concessão.

Essas distorções estariam na raiz de duas peculiaridades percebidas neste evento de privatização. Por um lado, emerge a abdicação de participação nos leilões, de conglo­merados internacionais e nacionais detentores de enorme envergadura econômica e experiência na administração de empreendimentos em infraestrutura, deixando a trilha livre para as organizações mais débeis ou com menor expertise na área.

Por outro extremo, repete-se o comprometimento de polpudas cifras de recursos do Tesouro Nacional – a taxas inferiores às de captação –, especificamente aquelas vinculadas ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), gerido pelo BNDES e, por extensão, o menosprezo das prioridades alternativas das políticas públicas.

Gilmar Mendes Lourenço, é economista, presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES), professor do Curso de Economia e Editor da revista Vitrine da Conjuntura da FAE e autor do livro Conjuntura Econômica: Modelo de Compreensão para Executivos. Foi eleito  O Economista Paranaense do Ano de 2011 pelo CORECON/PR e vencedor do Prêmio Imprensa e Quality TV & Jornais em novembro de 2011. Ele escreve às quartas-feiras neste espaço