A juventude e as mulheres egípcias não mais encontram estradas para percorrer, dando-se conta de que a heroica derrubada de Hosny Mubarak  conseguida pelo movimento Kefaya (Basta!) na revolução urbana da praça Tahrir está longe de ser suficiente para acabar com a ditadura que há seis décadas governa o país. Passados pouco mais de dezesseis meses da festa de rua em que embriagados pela própria força dançaram pelas ruas do Cairo, observam que a situação na verdade piorou com o aumento da insegurança e da criminalidade, a humilhação dos testes de virgindade a consagrar o poder masculino, a desorganização da economia, as pilhas de lixo pelas vias poeirentas dos bairros, prática aberta de tortura, impunidade, censura e a desesperança nos olhos do povo. Dos 87 milhões de habitantes, 6% são ricos e 24% estão na classe média, restando 70%, ou 61 milhões de pobres que em sua maioria apoiaram o candidato da situação, o ex-primeiro ministro Ahmed Shafik, não por gostarem de Mubarak e sim por terem medo de mudanças. De cada dez, nove são muçulmanos sunitas e um é cristão copta que inclui basicamente ortodoxos e também católicos e protestantes.
O Egito tem a mais longa tradição de governos imperiais e também de golpes e contragolpes da face da terra. Ramsés III, tido como o último Faraó, tomou o poder por volta de 1279 A.C. após um largo período de distúrbios populares, revoltas de trabalhadores, corrupção e roubos a túmulos que ocasionaram a queda de sucessivos antecessores. Na história moderna, um golpe de estado derrubou o rei Faruk I em 1952, dando lugar aos governos militares de Gamal Abdel Nasser, Anuar el Sadat e, desde 1981, Hosny Mubarak. Na verdade nem os mais velhos nem os mais novos sabem o significado da palavra democracia, pelo que a primavera árabe egípcia constituiu-se em pouco mais do que uma obra de ficção.
Os militares controlam quase tudo, tendo 40% da economia nacional em suas mãos, o que inclui a posse de grande parte das terras, empresas industriais, comerciais e instituições bancárias. Quando negociam o poder, como agora, exigem garantias de que nunca serão julgados. Sob pressão internacional intensa, aceitaram primeiro a realização de eleições legislativas encerradas em novembro último e depois presidenciais. O povo deu a maioria (38% das cadeiras) ao Partido Liberdade e Justiça (PLJ), braço político dos Irmãos Muçulmanos que se propõe a implantar a lei do Islã, a Sharia. Mesmo assim, é tido como moderado perante o grupo salafista Al Nour, de perfil radical fundamentalista colocado em 2º lugar (29%). Nacionalistas e liberais foram os grandes derrotados nas urnas.
Começou, então, o processo de intervenção do Conselho Superior das Forças Armadas (CSFA) que governa de fato. Primeiro, vetou diversos candidatos oposicionistas à presidência, em seguida anulou o pleito legislativo e por último emitiu decreto limitando drasticamente os poderes do próximo presidente e assumindo o lugar dos deputados e senadores com poder para reger o orçamento e criar uma assembleia do povo para elaborar a nova Constituição em forma de rascunho a ser submetido a referendo. Um mês depois da aprovação da Constituição, haverá nova eleição legislativa.
Enquanto isso, com o lema O Islã é a solução, um engenheiro de 60 anos, Mohamed Mursi venceu o 2º turno com 51,7% dos votos e se tornou o primeiro presidente eleito da história moderna do Egito. Chamado de pneu estepe por ser a segunda opção do PLJ, substituiu o líder dos Irmãos Muçulmanos, o milionário Jairat al Shater quando os militares avisaram que o vetariam. Diz que manterá o acordo com Israel, governará para todos e espalha o boato de que poderá escolher como vice-presidente a uma mulher ou a um copta. Os militares têm reafirmado que lhe entregarão o poder, mas Sameh Ashour, membro do CSFA, em declaração à rede Al Jazeera afirmou que o Presidente ocupará o posto por um curto período de tempo, devendo sair após a aprovação da nova Constituição. Uma vez que não querem Mursi e que a imposição de um general poderia justificar uma verdadeira revolução popular, os egípcios se perguntam: quem será nosso próximo Faraó?

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional