Paulo Salamuni (PV) assumiu a presidência da Câmara Municipal de Curitiba depois da maior crise da história do Legislativo da Capital, que pôs fim a quinze anos de domínio do grupo do ex-vereador João Cláudio Derosso (sem partido) no comando da Casa, alvejado por denúncias de gastos irregulares com publicidade e contratações ilegais. Menos de seis meses depois, assiste a ocupação das ruas da cidade e do País com a mesma perplexidade de seus colegas de parlamento. Mas ao contrário de muitos que vêm na revolta popular uma ameaça, ele diz enxergar as manifestações com uma grande oportunidade de mudar a política brasileira.

No plano doméstico, ele garante que os R$ 10 milhões repassados pelo Legislativo à prefeitura, para ajudar na redução da tarifa de ônibus não significam que a Casa ainda seja perdulária ou esteja com dinheiro sobrando. Segundo ele, esse dinheiro é resultado de medidas como o fim da verba de publicidade e o corte de cargos comissionados. E nega que tenha assumido uma posição de lavar as mãos em relação aos vereadores reeleitos que foram denunciados como tendo se envolvido nas irregularidades da Legislatura anterior. Nós fizemos a nossa parte. Cada um vai responder por si, avisa, nesta entrevista exclusiva ao Bem Paraná.

 

Bem Paraná – Como o senhor vê a onda de manifestações que tomou conta do País?

Paulo Salamuni – Eu acho que estava na hora desse povo acordar mesmo. É tudo e nada ao mesmo tempo. A questão da tarifa foi o título para unificar a manifestação no nível nacional porque todo mundo tem transporte e todos tiveram reajuste recentemente. O que eu acho que é? É o Renan (Calheiros) no Senado, é o (Marco) Feliciano à frente da comissão de Direitos Humanos (da Câmara Federal). É o Afif Domingos sendo de um partido liberal, vice dos tucanos e ministro da Dilma. Uma pseudo falência dos partidos. É a gota dágua, uma indignação. E acho que estava na hora de ser a antítese da tese de que o brasileiro é alienado, que aqui ninguém sai para a rua para protestar por direitos sociais.

BP – A gente tem a impressão de que os políticos estão perplexos, sem saber o que fazer ou como reagir.

Salamuni – Estão todos perplexos, ninguém imaginava isso. Eu fico imaginando a presidente Dilma conversando com o chefe da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). Porque eles têm o mapeamento geral de todos os movimentos no País. Não é no sentido de patrulhar, mas para ter informação. Mas isso, de onde veio? Eles estão tendo ver nos cartazes se tem uma mensagem igual, e não tem.

BP – Há quem veja risco de retrocesso. De que o movimento seja instrumentalizado por setores que querem a derrubada do PT do governo federal. Vê esse risco?

Salamuni – Mas é muito difícil porque é muito heterogêneo e idiossincrático. No sentido de cultura e ideologia diferente. É diferente de uma guerra civil, de uma revolução de tomada de poder. Ele tem só a movimentação, e alguns sintomas, mas não é de derrubada do poder institucional. Tanto é que as próprias depredações não são só nos órgãos públicos, você passa em loja, em carro de particular. Não é uma coisa só dirigida contra o governo. É algo que deixou os políticos perplexos e manda um recado claro: ‘existe alguém que te observa’. Senti isso na própria Câmara. Muitos parentes e filhos de vereadores, deputados, foram às manifestações sem que os pais soubessem. Não que foram escondidos. Não conversaram sobre isso. Pegou e foi lá.

BP – E o que fazer, como dar uma resposta a isso?

Salamuni – Primeiro é obrigação da Câmara defender a qualquer momento e em qualquer circunstância, os direitos humanos, sociais e políticos do cidadão de Curitiba. Tem que defender e apoiar o direito de reivindicar. O que, obviamente, não se concorda e não se tolera é sair depredando patrimônio de pessoas, instituições, que em última análise é do povo. Talvez já não fosse sem tempo. Eu participei de passeatas contra a aprovação do novo Código Florestal. E o que mais me doía é que chegava ali era 100 pessoas, 200 pessoas, com a maior dificuldade. Daí vinha, com todo o respeito, a marcha para Jesus, com dez mil, quinze mil. Com todo o respeito, a parada Gay com 20 mil, 30 mil. E ninguém vai sair para a rua para protestar contra a corrupção, a situação dos políticos? Foi a gota dágua, um pouco de tudo. Aqui é os diários secretos (da Assembleia Legislativa), os contratos de publicidade da Câmara. Que vieram com o rótulo da tarifa.

BP – Há como prever o efeito dessa crise atual na disputa eleitoral do ano que vem?

Como o PV deve se posicionar nesse contexto?

Salamuni – Por enquanto é imprevisível. É algo tão diferente do que nós estamos acostumados. Ninguém previu, e ninguém sabe definir. Eu acho que vai influenciar. Agora para que lado vai, quem vai se beneficiar, quem vai perder, não se sabe.

Crise

Conseguimos só estancar a hemorragia

Bem Paraná – O senhor assumiu a presidência da Câmara após a maior crise da história da Casa. O que mudou desde então?

Paulo Salamuni – É como se a Câmara Municipal fosse um corpo com hemorragia na UTI. Eu meti um torniquete, mas ainda vaza um pouquinho de sangue. Preciso tirar da UTI para o quarto e curar o paciente. Ainda conseguimos só estancar a hemorragia. Nós temos uma dívida enorme com a cidade pelo que aconteceu na Câmara.

BP – De onde saíram os R$ 10 milhões que a Câmara repassou à prefeitura para a redução da tarifa de ônibus?

Salamuni – Nós extinguimos 246 cargos em comissão, que dá uma economia anual de praticamente R$ 4 milhões. Sepultamos os contratos de publicidade. O que justificava para uma Casa Legislativa. É isso que o povo vai para a rua, às vezes ele nem sabe que é por isso, mas é por isso, no sexto sentido dele é por isso. Eles não sabem porque estão na rua, nós (os políticos) sabemos. Todos nós sabemos, não tem um vereador, um deputado que não sabe porque o povo está na rua. De 2006 a 2010 foi em torno de R$ 34 milhões (em gastos com publicidade). Talvez com esses R$ 34 milhões pudesse construir uma sede para que as pessoas pudessem assistir a sessão. Nós temos aqui uma boate Kiss no quinto andar. Isso é uma vergonha. Eu não posso por mais de 50, 100 pessoas para vir assistir a sessão. É a economia do ano inteiro, não é que esse dinheiro já foi.

BP – Mas então está sobrando dinheiro na Câmara?

Salamuni – Não está sobrando. Lógico, o de cargos sobrou um pouco. Nós íamos devolver para a prefeitura. Tem tanto orçado para viagem, mas não vai gastar. O que nós temos que parar também é de parar de demagogia de presidente de Legislativo querer faturar para si dizendo: ‘eu vou devolver tanto para o Executivo’. Claro que vai devolver. Vai roubar? Vai fazer o que. É obrigado por lei devolver.

BP – Não seria o caso de rever esse sistema de percentual fixo da receita da arrecadação do município ou do Estado para o Legislativo? Afinal aumenta a arrecadação, automaticamente aumenta a verba.

Salamuni – Mas nós não atingimos o total do percentual que deve ser recolhido para a Câmara. Quem tem um projeto e é bem intencionado não tem que ter medo de gastar o dinheiro público. O que não pode é roubar, deixar roubar e tem que por na cadeia quem rouba. Como uma Câmara como a de Curitiba não tem uma TV Câmara. Porque era pretexto para ter R$ 34 milhões de verba de publicidade. Porque não interessa, quanto mais escondida, quanto mais difícil. Como vou devolver dinheiro se a maioria dos prédios públicos não tem acesso para deficiente físico? Eu tenho que pegar esse dinheiro e fazer elevador, rampa. Acho que é por tudo isso que o povo sai às ruas.

BP – A gente sente uma rejeição geral aos políticos e aos partidos.

Salamuni – Eu não tenho nenhum tipo de dificuldade. Eu saí às ruas contra a ditadura, pelas diretas já, para derrubar o Collor. Agora a gente só gostaria de interagir com essas pessoas. Quem são? Quem é que fala? Acho que foi Churchill que disse que a democracia é o pior dos regimes, mas não inventaram nenhum melhor que ele. Quem vão ser os interlocutores dessas milhares de pessoas? Vai aparecer um messias? Ou vai ter que ser eleito, indicado na praça pública ou pela internet?

 

Caso Derosso

Cada um vai responder pelo que fez

Bem Paraná – Muitos dos vereadores reeleitos foram denunciados como tendo envolvimento nas irregularidades da Legislatura passada. Como lidar com isso?

Paulo Salamuni – Primeiro assim, nesse País esse é o problema. Se você tem um vírus na cabeça, para curar o vírus corte a cabeça. Curou o vírus, mas mata o paciente. Temos problema na Câmara. Vamos acabar com a Câmara? E a cidade daí é o caos? Quem tem o poder na cidade. Quem tem dinheiro, quem fala mais alto, quem tem dinheiro? Então tem que curar o vírus para manter o paciente. Então não tem sentido uma Câmara ter verba de publicidade. O que acontecia? Isso funcionava como moeda de troca. Chegava alguém dizia que era comunicador, tem um problema de rádio, tem a verba. Primeiro que não podia ter a verba. Se tinha, tinha que ter orientação jurídica para dizer para quem podia passar. Que não podia por no seu programa. Alguns foram ingênuos e se fizeram de ingênuos. Cada um vai responder pelo que fez. Esse processo tem mais de 750 laudas no tribunal. Nós abrimos tudo o que podia. Quando teve o escândalo dos diários secretos da Assembleia, a Assembleia não abriu nenhum procedimento interno. Não houve uma CPI. A comissão de ética não funcionou. Só foi externa. Veio de órgãos de controle, Ministério Público. Aqui pelo menos nós tivemos uma CPI. Bem ou mal. Tanto é que teve o relatório oficial e nós fizemos um paralelo. E nesse relatório paralelo nós ajudamos a abrir a Câmara. E a denúncia que teve veio do Tribunal de Contas para a Câmara. É importante a manifestação popular em relação à Câmara. Vamos imaginar que o que está acontecendo hoje fosse há um ano e pouco atrás. Eles estavam invadindo a Câmara. Aí não era a tarifa, era o vereador de Curitiba, é a postura. Nós abrimos tudo aqui para o Ministério Público, o TC, tudo o que pediram. A Câmara não tem mais o que fazer.

BP – Mas aí não fica uma impressão de uma atitude cômoda de lavo as mãos, não é comigo.

Salamuni – Não é lavar as mãos. A Câmara não tem como responsabilizar. Se for condenado pela Justiça, automaticamente será condenado aqui. Prevê inclusive a perda de mandato. Como já está com todos os elementos na Justiça. E foi levantado tudo o que passou, as notas, na CPI. Ela manda para quem é de direito. Nós fizemos a nossa parte. Cada um vai responder por si. Mas muitos deles foram julgados nas urnas. Se os 38 vereadores não tivessem sido eleitos não teriam sido tão significativo quando os 50% que não voltaram para cá.

 

NOVO ATIVISMO

Cada vez vamos ser mais julgados pela rede

Bem Paraná – O prefeito Gustavo Fruet reduziu a tarifa em 15 centavos, mas os líderes do movimento já disseram que pretendem continuar os protestos para que o valor volte aos 2,60. Como superar esse impasse?

Paulo Salamuni – Eu acho que eles devem permanecer lutando mesmo. Se faz o que é possível fazer. Nós temos que ver. Só vai resolver isso o dia em que todo mundo entender os complicadíssimos cálculos da Urbs. A remuneração das empresas.

BP – Não está demorando muito? Já estamos a praticamente seis meses desde a posse do novo prefeito.

Salamuni – Mas agora ele (Fruet) não só anunciou a redução de 15 centavos, mas uma série de medidas que talvez seja a tão propalada abertura da ‘caixa-preta’. Quanto ganham as empresas? Qual o lucro? Estamos perdendo passageiro, a qualidade piorou. A hora é agora. Vamos rever tudo. Termina essa semana a comissão da tarifa. Nós temos membros da Câmara nessa comissão. Vão ter que escancarar essa transparência?

BP – Não era hora da Câmara chamar os representantes das empresas de transporte coletivo para se explicarem?

Salamuni – Pode. Até há quem diga que até poderia se fazer uma CPI na Câmara. Mas a gente sabe que CPI sabe como começa, como acaba só Deus sabe.

BP – Mas não tem a comissão de Transporte, Fiscalização?

Salamuni – Tem. O empresário tem que entender que esse é um serviço público essencial. Como é que chegamos a isso se tivemos recentemente uma licitação em transporte? Eu acho que agora é hora mesmo, aproveitando toda essa movimentação. A gente que tem um pouco de experiência sabe que não é a tarifa. É uma indignação. Como quando Cristo expulsou os vendilhões do templo. É mais ou menos o sentimento do povo também.

BP – A Câmara muitas vezes é criticada por ter sua pauta monopolizada por homenagens ou nomeações de ruas. O que está acontecendo hoje traz algum impacto nisso?

Salamuni – Impacta sim. Não nestes detalhes. Isso é uma rotina do dia a dia. Eu sinto todos os vereadores reflexivos e alguns perplexos. Serve para uma reflexão macro: ‘as coisas mudaram’. Se alguém apresenta, como apresentaram um título para o (pastor Silas) Malafaia, vai ter problema. O que o vereador tem que entender é que ele não pode criar uma dificuldade para a sociedade para vender uma facilidade perante o seu eleitor. Por exemplo: eu sou de uma igreja, eu quero ficar bem com a minha igreja. O resto da população, pela exposição do fulano, não quer o religioso. ‘Mas eu não estou me importando. Fico bem com o meu nicho’. O que o vereador, deputado, tem que entender é que ele não é vereador, deputado de uma igreja, um bairro, ele é vereador de Curitiba, deputado do Paraná. É das grandes causas, não das pequenas. E cada vez mais essas questões de menor importância vão ser julgadas pela rede.