A inflação dos alimentos, a alta do dólar e o baixo crescimento da economia nacional, sinalizam que na verdade, a época das vacas gordas acabou, sentencia o economista Gilmar Mendes Lourenço, diretor-presidente do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), e Professor de Economia da FAE Centro Universitário. Ele esclarece que a situação atual é resultado de uma equivocada política macroeconômica e, ao contrário da argumentação do Palácio do Planalto, a escalada inflacionária, experimentada pelo País desde o segundo semestre de 2012, repousa menos no comportamento ascendente das cotações das commodities nos mercados globais que o propalado pela equipe do governo federal.  

Em relação ao mercado de câmbio, Lourenço afirma que a desvalorização do real irá devolver a competitividade da indústria nacional e favorecer o setor no País. Para quem planeja fazer viagens ao exterior, o melhor é esperar a economia se acomodar e, também, o valor do dólar. E para os trabalhadores, Lourenço aconselha muita prudência com os gastos.

Bem Paraná: A inflação e a alta do dólar, que já passou dos R$ 2,30 há algum tempo, associado ao baixo índice de crescimento da economia podem trazer que tipo de conseqüências para os brasileiros?

Gilmar Mendes Lourenço: A gestão econômica simplesmente negligenciou a necessidade de preservação do tripé formado por câmbio flutuante, regime de metas de inflação e superávits fiscais primários. Mais que isso, houve o abandono daquela política, sem a substituição por outra consistente e, mais grave, a multiplicação de atitudes improvisadas e tecnicamente contraditórias, como a elevação simultânea dos juros e dos gastos públicos, fazendo a inflação permanecer próxima do teto da meta fixada pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) em 6,5% ao ano, com a sua permanente ameaça de rompimento. A necessidade de correção dos preços dos combustíveis, para colocá-los em linha com os patamares internacionais, e de reajustes nas tarifas públicas, deve manter a inflação próxima do nível superior da meta, ao menos até o final do ano.

No caso da desvalorização do real, por certo há desdobramentos inflacionários imediatos. Porém, é preciso entender que a valorização do dólar em escala global, em face da gradativa reação da economia dos Estados Unidos, está realizando aquilo que os experts brasileiros não conseguiram fazer. O real desvalorizado devolve competitividade às exportações e a várias cadeias produtivas que haviam perdido espaço para as importações, favorecendo a reindustrialização do País.

Quanto ao crescimento, o atual governo deve encerrar seu mandato com expansão média anual do Produto Interno Bruto (PIB) de 2,0%, a menor da história do País, igualando-se ao desempenho da década perdida de 1980 e, o que é pior, amparada em poupança externa destinada ao financiamento da demanda — consumo das famílias e do governo — em detrimento do aumento da oferta (investimentos).

Bem Paraná: Estamos vivendo uma crise mesmo? É possível mensurar o prazo para essa crise acabar? Como?

GML: O Brasil experimenta os efeitos de uma crise de política econômica, ou da ausência da mesma. O governo perdeu-se por completo no cotidiano, abriu a caixa de bondades financeiras e tributárias, principalmente por intermédio de operações de transferência de papéis do Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), ancorados em recursos captados a juros de 9,0% ao ano e emprestados a 4,0% ao ano, gerando enorme rombo fiscal.

O crescimento de 1,5% do PIB, no segundo trimestre de 2013, bastante comemorado pelo governo e que surpreendeu os mercados, já é coisa do passado. No terceiro trimestre, a economia brasileira está rodando a 0% de expansão, com queda de -2,0% da produção industrial em julho, e deterioração da confiança de consumidores e empresários em relação ao futuro de curto e médio prazo do País.

Bem Paraná: Na medida em que as eleições se aproximam, essa crise tende a acabar? Ou deve piorar?

GML: Lamentavelmente, o governo não tirou proveito do capital político de que dispunha para encaminhar uma solução estrutural para o presente quadro de instabilidade econômica e institucional. As manifestações das ruas, ocorridas em junho e julho de 2013, deixaram como mensagem a interpretação social da incapacidade do executivo, respaldado por um Congresso Nacional alheio aos anseios e prioridades esboçadas pela população, no sentido da montagem de uma agenda desenvolvimentista. Essencialmente, a crise é também de representação e interlocução e deve se arrastar por 2014, com alguns repiques de melhora ou piora, como a recente decisão de manutenção do mandato do parlamentar enjaulado.

Bem Paraná? As intervenções, sem sucesso do Banco Central, quase que diárias para tentar segurar a cotação da moeda são um indicador de que teremos problemas mais sérios a curto prazo?

GML: O Banco Central (BC) está fazendo o que a cartilha conservadora determina. O acirramento de manobras especulativas, atreladas à multiplicação dos temores de acentuação da fragilização do real – fruto das dúvidas quanto à racionalidade da estratégia econômica oficial, especialmente com o surgimento de propostas intervencionistas de centralização cambial -, teria sido neutralizado com a divulgação da programação de intervenções emergenciais semanais pelo BC, centrada na oferta de instrumentos financeiros (swap cambial) e divisas estrangeiras, com garantia de recompra de contratos de dólares adquiridos pelos agentes, que podem somar US$ 60 bilhões até o final do ano, sendo 2/3 em operações futuras e 1/3 à vista, sem interferência expressiva no mercado corrente e, por extensão, no nível de reservas.

Mas é preciso recordar que a recente marcha de depreciação da moeda brasileira resulta da concatenação de fatores exógenos e endógenos. No front global aflora o fortalecimento do dólar em 2013, fruto dos rearranjos dos portfólios, causados pela alteração da política econômica dos Estados Unidos (EUA), ancorada na eliminação dos incentivos monetários empregados desde o princípio do default, no final de 2008, com a diminuição da emissão de moeda e de aquisição de títulos e a provável subida dos juros naquele País. No campo doméstico, ressalta a influência do declínio dos juros, acontecido em 2011 e 2012, reforçado pelos progressivos déficits externo e público da nação, maximizando as fontes externas de enfraquecimento do real.

Mesmo assim, antes de ser encarada e enfrentada como mais um distúrbio conjuntural, a desvalorização do real merece receber a consideração e interpretação como um fenômeno capaz de contribuir para o realinhamento da estrutura de preços relativos do sistema de produção e de transações, em favor da restauração da capacidade de crescimento sustentado em médio e longo prazo do País.

Bem Paraná? Para quem planejava viajar, qual é o conselho? Mantém a viagem ou espera um melhor momento?

GML: Aos que acumularam gorduras nos tempos de bonança, uma boa viagem. Aos demais, como dizia minha avó: juízo e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Viagem internacional é quase sempre um componente de consumo considerado supérfluo. A não ser em casos de negócios inadiáveis, intercâmbios datados, a saída ao exterior representa mais um objeto de desejo, a realização de um sonho, e menos uma necessidade. Por isso, não precisa se tornar um pesadelo.

Bem Paraná? Quem for viajar deve comprar a moeda de uma vez só ou ir comprando aos poucos? Qual seria o patamar de cotação para compra da moeda?

GML: Ainda existe espaço para maiores depreciações do real, ainda que aconteçam ajustes para baixo, por conta das medidas do BC. Em um exercício de futurologia, eu destacaria que a cotação do dólar entre R$ 2,30 e R$ 2,40 seria adequada para compra.

Bem Paraná? Aconselha o uso do cartão de crédito para quem vai viajar? Qual saída é a melhor?

GML: Em situações como a atual é sempre melhor carregar maiores quantidades de moeda. Na cobrança em cartão vale a cotação do dia da liquidação. Trata-se de uma situação de risco, de volatilidade. É preciso folga financeira também para a cobertura dos imprevistos provocados por uma conjuntura econômica mais turbulenta.

Bem Paraná: Diante deste cenário, de dólar alto, qual deve ser o comportamento do consumidor? Fugir das prestações?

GML: O escape de compras a prazo é fundamental porque a tendência dos juros é de alta, o que, em um ambiente de menor dinamismo do mercado de trabalho e de estagnação da massa de salários, deve diminuir a renda líquida disponível no bolso dos consumidores e, consequentemente, a sua capacidade de compra.

Bem Paraná: Para quem tem dívidas, qual é a melhor saída neste momento?

GML: É crucial buscar alternativas para a quitação das dívidas e, não sendo isso possível, a substituição de dívida velha por nova, contraída principalmente através do recurso às linhas de crédito em consignação, com desconto em folha, mais baratas, pois possuem risco de calote praticamente zero.

Bem Paraná: Se a pessoa estiver pensando em comprar um imóvel, deve esperar um pouco mais? Qual deve ser neste caso, o critério uma vez que o aluguel quase equivale ao valor de uma prestação?

GML: Em função dos distúrbios prevalecentes nos mercados habitacionais nos últimos anos, os preços dos imóveis permanecem bastante acima dos padrões aceitáveis. Mesmo com a maior disponibilidade de crédito e a juros menores, em comparação com as demais modalidades, o valor financiado ainda deve absorver parcela expressiva do fluxo de renda do tomador/comprador. Nessas circunstâncias, a aquisição de imóveis como opção de investimento em ativos reais também não seria recomendável.

Bem Paraná: De que modo esse cenário pode refletir no emprego? Podemos passar por um período de falta de emprego, em função do cenário atual ou os eventos esportivos e as obras do PAC são capazes de segurar a oferta de vagas?

GML: O mercado de ocupações já vem emitindo sinais bastante claros de acomodação com viés de baixa. Os tempos de quase pleno emprego com expressiva elevação dos salários médios estão ficando para trás. Os efeitos dos eventos esportivos serão pífios, estando mais para uma competição de saltos orçamentários. Como defende o ex-ministro Delfim Neto: o Brasil é o único País do mundo onde as organizações não governamentais são financiadas pelo governo. Quanto ao PAC (Programa de Atraso do Crescimento), virou letra morta como pílar do investimento, representando apenas um empreendimento imobiliário, pois metade dos recursos vem sendo alocada no Programa Minha Casa Minha Vida.

Bem Paraná: E o Paraná, como fica neste cenário?

GML: Mesmo não sendo uma ilha, o que implica reproduzir, em maior ou menor grau, o panorama contra o crescimento predominante em âmbito nacional, o Paraná vem operando na contramão do País. Estimativas preliminares preparadas pelo Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (IPARDES) revelam expansão de 3,9% do produto interno bruto (PIB) paranaense no primeiro semestre de 2013, frente a igual intervalo de 2012, contra incremento de 2,6% para o País, conforme inferências do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O diferencial positivo do ritmo de crescimento da economia do Estado, quando cotejado com a média nacional, esteve ancorado basicamente na concatenação entre dois vetores virtuosos: a impulsão da renda do agronegócio e a pujança do mercado de trabalho regional. No primeiro eixo, a combinação entre preços internacionais de alimentos ainda favoráveis, desvalorização cambial próxima de 20%, entre janeiro e junho de 2013, e forte elevação da produção de grãos, produziu efeitos multiplicadores dinâmicos nas cadeias produtivas direta e indiretamente atreladas ao setor rural.

A segunda vertente expansiva regional repousa na força do mercado de trabalho. A Pesquisa Mensal de Emprego e Salário (PIMES), do IBGE, revela que o contingente ocupado na indústria subiu 1,1% no Paraná, versus queda de -0,7% para a nação, no primeiro semestre de 2013. Mais que isso, o Estado liderou o panorama brasileiro em variação na geração de postos no segmento fabril, no qual apenas Santa Catarina (1,0%), Região Norte e Centro-Oeste (0,5%) e Minas Gerais (0,1%) observaram resultados positivos. Para coroar, a abertura de vagas industriais vem crescendo por 21 meses seguidos no Paraná, enquanto no País recua por 21 meses consecutivos.

Para reforçar a marcha ascendente, levantamentos do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do Ministério do Trabalho em Emprego (MTE), apontam que o interior do Estado foi responsável pela criação de 90% dos empregos formais da indústria de transformação, nos primeiros seis meses de 2013, contra 79% entre 2011 e junho de 2013 e 68% no intervalo 2003-2010.

Não obstante a permanência da crise externa, as incongruências da orientação macroeconômica do Palácio do Planalto e as perdas de R$ 1,3 bilhão na agropecuária, por conta de fatores climáticos, o prosseguimento do quadro de consistente recuperação dos níveis de produção e de rentabilidade financeira do agronegócio; maturação da carteira de mais de R$ 25,0 bilhões de empreendimentos industriais privados nacionais e multinacionais do Programa Paraná Competitivo; e aceleração das obras de restauração e ampliação da competitividade da infraestrutura, por parte do executivo estadual, deve sustentar a continuidade da expansão da economia paranaense no restante do ano.