As planilhas de atendimento do Ligue 180 na mesa da secretária de Enfrentamento à Violência da Secretaria de Políticas para as Mulheres da Presidência da República (SPM-PR), Aparecida Gonçalves, apontam a informação como fator essencial para que a mulher em situação de violência decida denunciar.

Pela primeira vez é feito um diagnóstico detalhando os tipos de informação buscados pelas pessoas que contatam o serviço. Essa análise é também a primeira que se faz desde a transformação do Ligue 180 em disque-denúncia.

Esse raio-X passa a se alternar com o tradicional levantamento anual do serviço, realizado em março. Segue a entrevista com a secretária Aparecida Gonçalves:

 

O que esse raio-X dos atendimentos do Ligue 180 revela?

Aparecida Gonçalves – É a primeira vez que vamos trabalhar com as informações do Clique 180 [NR: aplicativo desenvolvido em conjunto pela SPM-PR e ONU Mulheres]. Tivemos mais de sete mil acessos durante dois meses. E tivemos 3.267 downloads. Isso mostra que a necessidade de informação para o enfrentamento à violência contra a mulher está muito presente.

A atuação do disque-denúncia também é novidade. Lançamos o disque em março de 2014. Temos, portanto, a primeira avaliação de como ele de fato funcionou. Até agora, 15.659 denúncias foram enviadas aos sistemas de justiça e segurança dos estados.

Das ligações produtivas, podemos saber em detalhe quais são os tipos de atendimento fornecidos pelo 180. Percebe-se claramente que existe uma necessidade da população de conhecer melhor os serviços especializados. Das informações solicitadas, 33,88% são sobre redes de serviços, 31,89% de informações gerais e 16,66 % sobre violência doméstica e familiar. Pedidos de esclarecimentos sobre leis, decretos e direitos da mulher representam um percentual de 15,23% –ou seja, um dado bem próximo da porcentagem de violência doméstica e familiar.

 

Essa porcentagem referente a leis sobre mulheres indica que a população quer uma informação especializada focada na própria legislação?

Aparecida Gonçalves – Exatamente. A mulher pergunta: Ouvi na TV que tenho direito a pensão alimentícia. Qual é a lei? Como ela funciona? Ou seja, estão buscando informação sobre a legislação, sobre a Lei Maria da Penha.

Estes dados são diferentes dos elementos com os quais o 180 sempre trabalhou?

Aparecida Gonçalves – Os dados atuais são mais amplos. Até então, trabalhávamos com o balanço das denúncias. A partir de agora, estamos separando todo o atendimento que o 180 realiza. O serviço é bem mais abrangente. Tanto que presta informações gerais de interesse da mulher, sobre leis e decretos, bem como da rede de serviços, representando cerca de 80% dos atendimentos. A violência familiar doméstica representa 16,66%.

 

Isso significa que a população está em busca de informação mais qualificada?


AG – Sim. Sempre se referindo à busca por informação, das pessoas que ligam, 91,75% querem saber sobre os direitos da mulher e  2,84% sobre pensão alimentícia. 80,45% dos que relatam violência doméstica querem saber sobre Lei Maria da Penha. E 19,55%, quais são os tipos de violência.

Já sobre os tipos de crime, as informações solicitadas dizem respeito primeiro à ameaça (29,64%). Depois, calúnia, difamação e injúria (21,79%). Estupro e lesão corporal têm quase a mesma porcentagem –7% e 7,025%, respectivamente.

Como você analisa esses dados em termos de postura frente à violência?

Aparecida Gonçalves – A busca de informação significa a procura por conhecimento de direitos e por uma tomada de atitude. A mulher quer tomar uma atitude, uma decisão, mas para isso precisa se assegurar quais os direitos e garantias que terá.

A população brasileira não tem conhecimento dos seus direitos. As mulheres, menos ainda. Isso é real. Se você cruzar os percentuais de pensão alimentícia com os de alimentos gravídicos e com os de abandono de lar, você vai ver uma dúvida: meu marido me bate, mas, se eu sair de casa, vou perder os direitos? Vou perder a guarda dos filhos?

Isso mostra que há muita mulher que sofre violência, mas não toma atitude porque desconhece seus direitos.

Então, se a mulher ultrapassar este quadro de desconhecimento, a tendência é termos mais atitudes, mais denúncias?

Aparecida Gonçalves – Sim. Aqui entra a segunda etapa, que é a denúncia, cujo ciclo funciona da seguinte forma: a pessoa liga, pede informação, desliga e, depois, liga novamente – para fazer a denúncia. Você busca a informação sobre direitos. A primeira informação mais procurada da rede de serviços é sobre a defensoria pública. É nesse momento que ela sente a necessidade de informações quanto o acesso à Justiça. A terceira é sobre a casa-abrigo – ou seja, aqui ela já está enfrentando o risco de morte.

 

Isso implica um redesenho de atendimento e de ações?

Aparecida Gonçalves – Isso implica redesenho da estratégia, inclusive para as próximas campanhas. Qual é a informação que a população precisa saber? O que é rede de serviço? Como ter acesso à Justiça? Com quem as mulheres contam neste processo? Temos um desafio na rede de atendimento que é a integração dos serviços. A Casa da Mulher Brasileira é um grande passo nessa direção.

 

Em relação às denúncias de violência, qual a percepção que se tem após a transformação do serviço em disque-denúncia?

Aparecida Gonçalves – A violência física representa o maior índice (50,55%), de um total de 30.625 casos em 2014. Em segundo lugar vem a violência psicológica (32,16%) e, em terceiro, a violência moral (9,5%). Do total, foram registradas 886 denúncias de violência sexual, sendo que 70% são relatos de estupro, seguidos de denúncia de exploração sexual.

Como tem avançado a questão do feminicídio?

Aparecida Gonçalves – No Senado Federal há um projeto de lei que define o crime de feminicídio que é apoiado por nós. O disque 180 tem recebido denúncias desse tipo de crime. Em 2014, foram registradas 225 denúncias, das quais 176 foram de tentativas de assassinatos e 49 do crime consumado. Esses números mostram a necessidade de aprovação de uma lei que combata a impunidade de crimes praticados contra as mulheres.