Entre as piores ditaduras e as melhores formas de participação direta do povo nas decisões, há regimes governamentais para todos os gostos mundo afora. Tomando por referência a famosa assertiva de Winston Churchill de que a democracia é a pior forma de governo, à exceção de todas as demais que têm sido experimentadas, Manfred Schmidt da Universidade de Heidelberg afirma que a principal debilidade desse sistema está em permitir (com surpreendente frequência) a tirania da maioria.

A discussão tem plena atualidade num momento em que a América Latina (AL) enfrenta uma onda reelecionista e uma quase epidemia de regimes bonapartistas, modernamente conhecidos como neopresidencialistas ou falsas democracias (outros os denominam democracias de enclave ou de dominio), nos quais o Presidente, ademais de ser o Chefe de Estado, concentra no Executivo atribuições que normalmente pertencem às outras duas instâncias, constituindo um tipo de poder autocrático, mas mantendo uma democracia formal, com Constituição vigente, leis aprovadas por um Parlamento, eleições universais e diretas. Parece democracia, mas não é. Para Loewenstein é o regime no qual o que detém o Poder Executivo não prescinde do Legislativo e do Judiciario, desde que lhe sejam submissos.

Curiosamente até os anos 1980, graças ao retorno da democracia, na AL à exceção de Cuba, Nicarágua, República Dominicana e Paraguai, em nenhum outro país o presidente podia reeleger-se de forma contínua. A mudança começou com Alberto Fujimori no Peru em 1993 e com Carlos Menem na Argentina no ano seguinte. A onda se propagou com FHC, Mejía, Chávez, Morales, Correa, Uribe, Ortega, Rousseff, e hoje entre 18 países, 14 permitem a reeleição. Vale assinalar que ao longo das últimas três décadas e meia todos os presidentes que tentaram permanecer no cargo pela via eleitoral tiveram éxito (menos em dois casos: Ortega em 1990 e Mejía na República Dominicana em 2004).
As divisões tradicionais entre esquerda e direita, democracia e autoritarismo, socialismo e capitalismo, perdem relevância e são substituídas pelo déspota que passa a encarnar os desejos de todos e a administrar a justiça ao seu bel prazer, com apoio da elite que o vê como solução ao manter sob controle as camadas mais pobres. Os exemplos atuais mais claros estão no núcleo bolivariano, composto por Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua.

Como um fenómeno paralelo – por alguns tido como uma simples variante do neopresidencialismo e por outros como o seu aperfeiçoamento – consolida-se em um grupo de países da região a prática de domínio não por um indivíduo e sim por um partido que se apropria inclusive dos meios de comunicação com a população para impor-se se possível ad infinitum, como ocorre no México, Argentina e Brasil.

O México é um caso à parte, pois proibe a reeleição, mas assegura a permanência do mesmo partido. Os mexicanos se orgulham de ter vetado a ditadura pessoal (como a de Porfirio Diaz que, reeleito 7 vezes, governou por 27 anos, até 1911), substituindo-a pela ditadura do PRI – Partido Revolucionario Institucional – que governa desde 1929, embora com rápida interrupção entre 2000 e 2012. Na Argentina o eterno peronismo segue vigente, agora com sua variante kirchnerista (Nestor e Cristina) que no ano que vem completa 12 anos na Casa Rosada. No caso brasileiro, o presidente Luis Inácio Lula da Silva após dois mandatos abriu mão da tentativa de reforma constitucional que lhe poderia assegurar a continuidade em benefício de um projeto a-la-mexicana, com permanência do Partido dos Trabalhadores (PT) no poder. Deu certo e o PT acaba de garantir mais 4 anos no Palácio do Planalto, até dezembro de 2018 (total de 16 anos) em Brasília.

Em democracias ainda verdes, ou falsas, como as que buscam consolidar-se na América Latina, o verdadeiro problema está em fazer com que os critérios mais básicos de um modelo eleitoral justo possam funcionar sempre e não somente em uma ou outra oportunidade, em acordo aos desejos de quem manda.

 

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional
www.mundoseculoxxi.com.br