SÃO PAULO, SP – A presidente do Chile, Michelle Bachelet, enviou, neste sábado (31), para o Congresso um projeto de lei que descriminaliza o aborto em caso de má formação fetal, risco para a vida da mãe e estupro. O aborto nesses casos é proibido desde a ditadura de Augusto Pinochet.
“Os fatos mostram que a proibição absoluta e a criminalização de toda forma de interrupção da gravidez não impediram e não impedem a prática em condições de grande risco para a vida e a saúde das mulheres”, disse a mandatária em um ato público no Palácio de la Moneda.
“Na situação atual, atropelamos sua dignidade, prolongamos seus sofrimentos, arriscamos sua vida”, afirmou.
O Chile, junto a El Salvador, Nicarágua, República Dominicana, Malta e ao Vaticano, são os seis países do mundo onde o chamado aborto terapêutico -realizado quando saúde da mãe está em risco por conta da gravidez- é penalizado.
O projeto de lei, que deverá ser debatido e aprovado no Congresso, contempla a descriminalização do aborto em caso de “risco presente ou futuro” da vida da mãe, “má formações incompatíveis com a vida extra-uterina” e estupro.
Para realizar o aborto, será necessário o diagnóstico de um médico, ratificado por outro profissional; com uma exceção: quando a mulher precisar de atenção imediata por risco iminente à sua saúde, bastará o diagnóstico de um médico.
As menores de 14 anos devem ter a autorização dos pais, exceto em caso de violência intra-familiar ou abandono, em que o médico poderá pedir a permissão a um juiz da vara de família.
Em caso de estupro de menores de 14 anos, o prazo para abortar se estenderá de 12 para 18 semanas, considerando que as meninas e adolescentes muitas vezes desconhecem seu estado”, disse Bachelet. Quanto as menores de 14 que não se enquadrarem nesse caso, elas terão 14 semanas para abortar.
O projeto prioriza o dever de confidencialidade dos médicos sobre a obrigação de denunciar as pacientes por suposto aborto, e lhes reconhece o direito à objeção de consciência. Nessa situação, o centro de saúde será obrigado a encaminhar a paciente a um médico disposto a tratá-la.
POLÊMICA
O tema do aborto repercutiu bastante na primeira semana de janeiro, quando a até então ministra da Saúde, Helia Molina, declarou que “em todas as clínicas endinheiradas do país, muitas das famílias mais conservadoras fizeram abortos em suas filhas”.
A ministra criticou a postura dos grupos políticos e sociais mais conservadores, contrários à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez em qualquer ocasião, e também a hipocrisia “das pessoas com mais dinheiro, que não dependem de leis porque têm recursos”.
O repúdio à descriminalização da interrupção voluntária da gravidez vem principalmente do partido ultradireitista União Democrata Independente e da Igreja, em um país onde 72% da população se declara católica, mas só 14% se considera praticante.
Cerca de 16.510 mulheres ingressam todos os anos em hospitais chilenos por gravidez de menos de 22 semanas relacionados com risco de vida para a mãe ou má formação do feto incompatíveis com a vida. Por ano, são registradas 500 mortes por má formação fetal. Não existem dados de gravidez por estupro.
Até 1989 e por mais de 50 anos, o aborto foi permitido nos casos de risco de morte da mãe ou má formação do feto. Mas antes de deixar o poder, o ex-ditador Augusto Pinochet o proibiu.