RAQUEL COZER
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – “Não temos mais tempo para pensar a cidade ideal. Não existe uma catástrofe a caminho, a merda já aconteceu. Agora é tentar remediar a idiotice planetária que cometemos”, disse, pragmático, o antropólogo Antonio Risério na primeira mesa da 13ª edição da Flip, na manhã desta quinta-feira (2), ao comentar as formas de pensar a cidade no século 21.
Em debate com o poeta Eucanaã Ferraz sobre “a poesia, a arquitetura, o território e a maneira como o pensamento se mistura nesses três campos”, como definiu o mediador, João Bandeira, Risério rechaçou a busca por uma “cidade ideal” nos dias de hoje.
“Havia uma ideologia normativa na cabeça da Lota de Macedo Soares quando fez o aterro [do Flamengo, no Rio], assim como na do Lucio [Costa] quando chegou ao Planalto Central acreditando na melhor cidade para as pessoas viverem, com o funcionamento da máquina urbana aliado às condições de bem estar. Quem tem uma visão normativa no fundo tem uma visão do que é uma cidade ideal, mas nós não temos mais tempo de pensá-la”, argumentou.
O autor de “A Cidade no Brasil” ainda lamentou o fato de arquitetos de grandes escritórios hoje fazerem “megaprojetos de costas para a cidade”, “cada um fazendo sua escultura e o entorno foda-se”.
Questionado pelo mediador, João Bandeira, sobre a possibilidade de a poesia ajudar a entender a cidade, Eucanaã Ferraz lembrou versos de Mário de Andrade, homenageado desta edição da Flip: “Quando eu morrer quero ficar/ Não contem aos meus inimigos/ Sepultado em minha cidade/ saudade// Meus pés enterrem na rua Aurora,/ no Paissandu deixem meu sexo,/ Na Lopes Chaves a cabeça/ Esqueçam.”
“Esses versos deixam claro como o poeta e a cidade se tornam uma coisa só. O sujeito não nos surge como uma entidade inteiriça, nem a cidade. Esse tipo de pensamento o urbanismo só veio incorporar na segunda metade do século 20, como uma multiplicidade que impede qualquer tipo de visão de algo inteiriço”, avaliou.
Na pergunta de abertura, João Bandeira ensaiou um protesto político ao mencionar que “soube agora pela manhã que a Câmara dos Deputados, voltando atrás numa manobra esperta, no pior sentido, aprovou a redução da maioridade penal”.
O comentário, no entanto, improvisado em meio à pergunta sobre a reflexão a respeito das cidades hoje, não encontrou eco na resposta de Risério, que optou por ler um texto que havia preparado.
Outra questão presente no noticiário recente, as ciclovias implantadas em São Paulo pelo prefeito Fernando Haddad, veio à tona numa pergunta do público, ao final -quem enviou a questão ao mediador, num papelzinho, as definiu como “fantásticas”.
Eucanaã respondeu que, “para decepção de quem fez a pergunta”, não estava tão inteirado do caso de São Paulo.
“A ciclovia é uma ideia sempre simpática, mas aí entra outra questão: onde está, como é feita, qual a situação para as pessoas que vão usar. Esse tema não é uma panaceia para cidade nenhuma”, disse.
Risério, que já defendera as ciclovias de Haddad em artigo publicado na Folha de S.Paulo, disse, sob aplausos, achar importante “reconhecer as coisas em termos práticos: ninguém até hoje estava enxergando a questão de São Paulo como fenômeno sócio territorial como o atual prefeito”.