Diversas vezes já comentei o grande poder ‘legislativo’ do CONTRAN, mesmo sendo um órgão do Poder Executivo, cuja competência normativa deveria se dar apenas quando delegada pela Lei. No final do mês de julho tivemos mais um exemplo da inversão desses princípios com a publicação da Lei 13.154 no DOU de 31/07/15. A referida Lei acrescentou um parágrafo único ao Art. 134 do Código de Trânsito Brasileiro, que é justamente aquele que estabelece a obrigação do proprietário vendedor realizar a comunicação de venda do veículo ao proprietário comprador, com cópia autenticada do CRV preenchido. Esse novo parágrafo autorizou que tal informação fosse realizada de forma eletrônica, da forma regulamentada pelo CONTRAN, ou seja, delegou e legitimou o CONTRAN a competência para disciplinar essa nova forma de comunicação de venda.
Ocorre que o CONTRAN, antevendo que receberia essa outorga, antecipou-se em um ano e quatro meses, pois já havia regulamentado essa prática por meio da Resolução 476 de 20 de março de 2014. A legitimação veio com atraso e agora nem há mais a necessidade do CONTRAN exercer a competência que lhe foi dada. Me preocupa apenas a possibilidade do CONTRAN editar uma resolução delegando ao Congresso a competência para legislar, à semelhança do que acontece com os simuladores de direção.

A citada Resolução já havia estabelecido que entidades responsáveis pelas autenticações poderiam se credenciar também para executar as informações de venda, que são justamente os Cartórios, que em diversos lugares passaram a executar essa tarefa.
Mesmo com a habitual inversão de valores e competências aqui denunciadas, vejo com bons olhos essa providência, pois no antigo CNT (Código Nacional de Trânsito), que vigorou entre 1966 e 1998 não havia essa obrigação do vendedor de informar a venda para isentar-se de responsabilidades mesmo que o comprador não faça a transferência, e mesmo vigorando a 17 anos e meio a regra ainda não internalizou em boa parte das pessoas, que por vezes enfrentam problemas quando o comprador não transfere o veículo para seu nome. Em uma oportunidade fiz um texto questionando quem teria mais interesse, o vendedor de informar a venda ou o comprador de transferir, e a conclusão foi que ambos têm interesse, pois enquanto esse pode vir a sofrer uma penhora, cobrança que comprometa o patrimônio do antigo proprietário e terá dificuldade de provar que é terceiro de boa fé, aquele não deseja que o veículo em seu nome seja conduzido por alguém com quem não mantém contato, e que pode se envolver nas mais diversas situações.
Art. 134. No caso de transferência de propriedade, o proprietário antigo deverá encaminhar ao órgão executivo de trânsito do Estado dentro de um prazo de trinta dias, cópia autenticada do comprovante de transferência de propriedade, devidamente assinado e datado, sob pena de ter que se responsabilizar solidariamente pelas penalidades impostas e suas reincidências até a data da comunicação.
Parágrafo único. O comprovante de transferência de propriedade de que trata o caput poderá ser substituído por documento eletrônico, na forma regulamentada pelo Contran. (NR) (Lei 13154/15)
http://www.denatran.gov.br/download/Resolucoes/Resolucao4762014.pdf
(Res. 476/14)

MARCELO JOSÉ ARAÚJO – Advogado e Consultor de Trânsito. Professor de Direito de Trânsito. Presidente da Comissão de Direito de Trânsito da OAB/PR
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