FELIPE BÄCHTOLD SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O juiz federal Sergio Moro, responsável pela Operação Lava Jato na primeira instância, disse nesta sexta-feira (28) ter dúvidas de que a investigação vá “mudar o país” e defendeu modificar leis e “práticas culturais”. Moro comparou o conjunto de investigações no Brasil com a Operação Mãos Limpas, que apurou ligações de políticos com o crime na Itália nos anos 90, e disse que o país europeu em parte “perdeu uma oportunidade”. “Não raramente as pessoas vêm falar comigo, dão aquele tapinha nas costas e [dizem:] ‘Esse caso vai mudar o país’. Não sei se vai mudar, não é bem assim, um caso não muda o país. O que muda um país é termos instituições fortes. Se isso contribuir para termos instituições fortes, ótimo. Mas não podemos ter uma confiança cega no futuro.” Na Itália, afirma, houve uma “reação do poder político que reduziu as conquistas” provocadas pela investigação. Ele disse que foram criadas no país leis de anistia apelidadas de “salva corrupto” e que o fenômeno é uma “lição”. “Nos famosos rankings na [ONG] Transparência Internacional, em uma relação de 150 países, a Itália se encontrava em uma posição desconfortável de 64º lugar, empatada com outros países, entre eles o Brasil, em uma coincidência muito interessante.” Moro deu as declarações em uma palestra no Ministério Público Federal em São Paulo. Na saída do evento, o juiz, que recebeu uma série de manifestações de apoio durante os protestos contra a presidente Dilma Rousseff há duas semanas, recebeu presentes de servidores federais. Um grupo de funcionários deu a ele um pedaço de mangueira, simbolizando a “Lava Jato”, um miniaspirador de pó, chocolates e flores. Ao ser questionado se poderia haver um Silvio Berlusconi no Brasil, em referência ao controvertido primeiro ministro italiano eleito nos anos 90 após a Mãos Limpas, disse que não há nada escrito no futuro. “O que precisa é não nos acomodarmos.” DELAÇÕES Bem-humorado, Moro brincou ao comparar o número de prisões da Operação Mãos Limpas com a Lava Jato. “Houve na Procuradoria de Milão 800 prisões cautelares. Eu normalmente levanto esse dado e digo: ‘Olha, falam que eu exagero nas prisões preventivas aqui. [Foram] 800 prisões lá, então eu ainda tenho um saldo de quanto?’ Estou brincando”, disse, rindo. Ao falar do crime de lavagem de dinheiro, tema principal da palestra, disse que há uma “certa popularização da colaboração premiada”. Ao responder uma pergunta sobre uma proposta de proibir acordos de colaboração com réus presos, disse que compromissos firmados com os detidos são um “direito da defesa”. “Negar um benefício a pessoas porque se encontram presas de parece um disparate.” O juiz também abordou os casos da Lava Jato que já houve sentenças, como a condenação de executivos das empreiteiras OAS e Camargo Corrêa, e comparou com detalhes de decisões do caso do mensalão. Disse que o preço da propina paga ao ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa estava embutido nos contratos com as construtoras. “No fundo, quem suportava o ônus do valor da propina não eram as empreiteiras. Era a própria empresa estatal.” Moro saiu sem dar entrevistas.