Naquele que foi considerado um dia histórico no Congresso Nacional brasileiro, 25 de novembro de 2015, o Senado Federal concordou com a prisão do senador Dulcídio do Amaral, a primeira de um congressista no pleno exercício do mandato desde a implantação da República em 1889. A medida baseou-se em decisão do mesmo dia tomada pela 2ª. Turma do Supremo Tribunal de Justiça – STF, firmada em Brasília pelo ministro Teori Zavascki.

Não pelo ineditismo e sim pela iniciativa ter sido tomada por outro poder que não o Legislativo, a decisão só aconteceu por receio dos congressistas de que uma negativa pudesse gerar intensa rejeição por parte da sociedade e – amanhã – dos eleitores, dado o ambiente de contínua tensão gerada pela Operação Lava Jato na qual se julga o caso de mega corrupção que atingiu a Petrobrás, a maior empresa do país.
No dia anterior os jornais estampavam a foto do pecuarista José Carlos Bumlai, amigo íntimo do ex-presidente Lula da Silva, sendo conduzido a uma cela na Superintendência da Polícia Federal de Curitiba, ao mesmo tempo em que Eduardo Cunha do PMDB encontrava-se na iminência de perder a presidência da Câmara dos Deputados por quebra do decoro parlamentar e, como muitos outros políticos, por ser acusado de receber propina em negócios também relacionados à estatal do petróleo.
 Dulcídio, 60 anos de idade, senador pelo Partido dos Trabalhadores (PT) desde 2002, ex-ministro das Minas e Energia no governo Itamar Franco, presidiu a CPI dos Correios que investigou o Mensalão e desde abril último era o líder do governo no Senado, por indicação da presidente Dilma Rousseff. Altamente influente no governo e reconhecido facilitador das relações políticas entre Lula e Dilma, foi pego por interferir nas investigações da Lava Jato de maneira absurda pela desfaçatez com que agiu ao tentar comprar o silêncio de Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional na estatal.
As provas foram dadas por uma gravação feita em iPhone no bolso de Bernardo Cerveró, filho de Nestor, em conversas com Delcídio, seu chefe de gabinete Diogo Ferreira e o advogado Edson Ribeiro. Sem o menor pudor, mesmo sabendo que a Operação Lava Jato – agora em sua 21a. fase – prossegue sedenta em busca de criminosos, propôs a liberdade de Nestor por meio de habeas corpus facilitado por sua intervenção junto ao Judiciário. Então, traçou detalhadamente o plano de fuga, no qual o ex-diretor sairia pelo Paraná para o Paraguai e dai em vôo direto de uma aeronave Falcon 40 com autonomia para vôos interoceânicos que o levaria à Espanha, o melhor destino pois Cerveró tem cidadania espanhola. Para que a família não passasse eventuais necessidades, garantiria uma mesada de R$ 50.000,00, supostamente garantida por André Esteves, um dos maiores bilionários brasileiros, com fortuna de 2,7 bilhões de dólares segundo a Bloomberg e presidente da BTG Pactual (por onde fluem boa parte dos capitais aplicados no exterior por ricaços tupiniquins).
A Polícia Federal efetuou a prisão de Delcídio, Diogo e André. Já Edson Ribeiro foi localizado nos EUA para onde viajara.
Em clima dito como de forte constrangimento e silêncio geral, os senadores tiveram de acatar o artigo 53 da Constituição pelo qual um membro do Congresso Nacional só pode ser preso por flagrante e crime inafiançável. Presentes 75 dos 81 senadores, o painel final da votação (vide imagem) da 212a. Sessão Deliberativa Extraordinária do Senado Federal indicava, após o último voto ser pronunciado em aberto e às vistas da população que a tudo assistia pela TV, assinalava: 59 pela manutenção da prisão de Delcídio e 13 contra, com a abstenção do maranhense Edison Lobão. A única bancada que fechou questão pelo Não foi a do Partido dos Trabalhadores. As lideranças do PMDB e PDT declararam que o voto de seus componentes seria livre, enquanto PSDB, PSB, DEM, PSD, PSC, PPS, PRB e REDE apoiaram o Sim. Dos 13 votos pelo Não, nove vieram do PT – Humberto Costa (PE), Jorge Viana (AC), José Pimentel (CE), Lidhberg Faria (RJ), Paulo Rocha (PA), Regina Sousa (PI), Ângela Portela (RR), Donizeti Nogueira (To) e Gleisi Hoffmann (PR); mais João Alberto Souza do PMDB-BA, Roberto Rocha do PSB-MA, Telmário Mota do PDT-RR e, para variar, Fernando Collor do PTB-AL.
Rui Falcão, presidente do partido, não gostava de Delcídio e aproveitou o momento para vingar-se, assinando uma nota oficial do partido na qual o lança às feras ao dizer que o PT não se julga obrigado a qualquer gesto de solidariedade. Renan Calheiros, presidente do Senado, considerou a Nota como covarde.
As motivações de Bernardo certamente se ligavam à preservação última do pai, que estaria perdido se aceitasse as propostas indecentes de Delcídio. Provavelmente Nestor Cerverá nem chegaria vivo à Espanha. Caso seguisse o plano que lhe foi proposto e conseguisse sobreviver transformar-ss-ia em um pária internacional e em pouco tempo nada garantiria nem a prometida mesada para a família nem a segurança de todos os seus. Analistas ligados ao mundo do crime interpretaram o caso como um dos mais típicos – desde o início dos governos petistas – da ação de estruturas mafiosas, talvez com a exceção daquele que vitimou Celso Daniel, o prefeito de Santo André.

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional