Nos idos de 2005 a estratégia de Evo Morales e do seu Movimento ao Socialismo, o MAS ()criado dez anos antes em Cochabamba, a capital da coca), funcionou, . Ele obstruiu o funcionamento do seu país com greves e bloqueios intermináveis de vias nas montanhas e nas cidades, infernizando a vida da população e dos políticos neoliberais a quem se opunha. Às vésperas das eleições de dezembro declarou: não vamos permitir que partidos como o MIR e o MNR (tradicionais agremiações políticas de centro-direita), que estão acostumados a saquear o estado boliviano, regressem ao poder. Ele havia inviabilizado sucessivamente os governos de Sánchez de Lozada e de Carlos Mesa Gilbert, impedido a sucessão legal pelos presidentes do Senado e da Câmara, até o ponto em que os eleitores se convenceram de que para evitar que o país naufragasse de vez na anarquia o único jeito era entregar o comando ao índio, mesmo nele não confiando e temendo que quisesse eternizar-se no poder.

Evo ganhou as eleições e começou a governar em janeiro de 2006, repetindo o feito com larga maioria em 2010 e 2015. A Constituição permite só dois mandatos consecutivos, mas um Tribunal Constitucional (sempre ao lado do rei) considerou que o 1º mandato não contava porque o país fora refundado em 2009 como Estado Plurinacional. Evo ganhou outro período na cadeira presidencial, mas não está satisfeito, não quer deixa-la em 2019. Assim, armou o referendo deste domingo no qual o voto pelo sim o autorizaria a re-re-reeleger-se para o quinquênio 2020-2025, perfazendo um total de vinte anos no poder, naturalmente sem qualquer garantia de que, então, vá para casa.
Para sua surpresa, pois já se julgava eterno e incontestável, o povo achou que já era demais, era preciso dar-lhe um basta, e o não triunfou pala estreita margem de 52% x 48%, segundo os resultados da contagem de 90% das urnas.
Mais que isso, o MAS foi derrotado em seis Departamentos (Estados): Chuquisaca, Bení, Pando, Santa Cruz de la Sierra, Tarija e Potosí, sendo que neste com 87% dos votos contrários. Na verdade, os masistas só venceram com um mínimo de folga na capital La Paz, pois a diferença pró-governo foi apertada em Cochabamba e houve virtual empate em Oruro.
Ainda há bastante água para rolar por debaixo da ponte, uma vez que a Evo restam três anos na presidência, mas cabe perguntar: o que aconteceu, o que explica o fracasso não previsto? Analistas independentes coincidem em torno de cinco fatores básicos: 1) gradativo esgotamento das fórmulas de mando manejadas pelo MAS; 2) rompimento da imagem de honestidade acima dos mortais de Evo, devido às denúncias de que sua ex-amante Gabriela Zapata (em 2007, ele aos 48, ela aos 20 anos, tiveram um filho que faleceu um ano depois) saiu do nada para tornar-se gerente comercial da CAMC, empreiteira chinesa filiada à poderosa multinacional Sinomach de Pequim, favorecida por contratos de até 560 milhões de dólares com o governo boliviano; 3) numa sinalização de volta aos negros tempos de 2005, ataque na última 4ª. feira por militantes do MAS à sede da prefeitura de El Alto (cidade conurbada com La Paz), governada pela oposição, incendiando-a com saldo de 4 mortos; 4) influências das mudanças políticas e econômicas regionais, como a eleição de Macri na Argentina e as crises dos regimes populistas de Brasil e da Venezuela; 5) enfraquecimento do discurso anti-americano do governo Evo face à reaproximação Cuba & Estados Unidos.
A melhora experimentada pela economia boliviana (PIB tem crescido a mais de 5% ao ano) e a redução no número de pessoas em estado de pobreza graças a diversos programas de base social não tem sido suficiente para tirar a Bolívia da condição de um dos mais débeis países da América Latina. Sua viabilidade segue dependente da produção de gás, quase toda vendida a Brasil e Argentina, e do submundo da coca que persiste com uma área plantada de 23 mil hectaes (inferior somente à da Colômbia e do Peru) concentrada nas alturas de Los Yungas e no Trópico de Cochabamba. Para o aymará Evo Morales e seu vice, o sociólogo Alvaro Linera, eleitos para o atual mandato com 63% dos votos, a derrota no referendo é um desastre inesperado e não um simples acidente de percurso. Os costumeiros líderes oposicionistas da Unidad Nacional – Samuel Medina, três vezes candidato derrotado; Rubén Costas, prefeito de Santa Cruz; Jorge Quiroga, ex-presidente – dizem que a Bolívia despertou do pesadelo para um futuro mais plural, mas as cartas que estão sobre a mesa anunciam uma crescente polarização política e social no altiplano andino.(VGP)

Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista internacional