No início de Dom Quixote, Cervantes descreve como o Cavaleiro de Triste Figura em suas andanças e aventuras, cansado e faminto, encontra uma pousada e acha que está vendo um castelo. Hoje o turista pode enxergar um castelo, sem saber que é um hotel de luxo e a melhor maneira de conhecer a história da Espanha.

Castelos, mosteiros, mansões aristocráticas foram transformados em hotéis, criando uma rede de conforto e luxo por todo o país. Paradores e Albergues de Carretera surgiram para resolver o problema de acomodação aos visitantes, motoristas nas estradas na procura das delícias do Mediterrâneo ou das atrações mais famosas, como Sevilha e Granada. Mas o programa ganhou adeptos logo no início e o sucesso expandiu a rede criada pelo Governo com o objetivo primeiro de conservar monumentos históricos, que de outra maneira estariam em ruínas, e permitir que os turistas tivessem acesso à Espanha verdadeira: desde as grutas arenosas da costa Cantábrica, aos verdes dos Picos da Europa e as mil e uma rias da Galícia, até aos ventosos plateaux das duas Castilhas e as huertas de Valencia, passando pelas paisagens lunares de Jerez de la Frontera e Cadiz.

A palavra Parador vem do árabe waradah – parada, descanso – também relacionada com a palavra espanhola parada, usada no mesmo sentido. Como quase tudo na Espanha, a origem dos modernos hotéis de luxo tem raízes na invasão dos Mouros, em 711. Quando Richard Ford escreveu em 1846, enfatizando o caráter oriental de parador, afirmou que era lugar de carroções e animais, adiantando que as pessoas acabavam reunidas em torno da lareira acesa, convidando aos passantes a compartilhar das muitas levas de comida preparada ao dia.

Hoje a recepção aos viajantes mudou bastante, um movimento que começou quase em fins do século passado. Os estabelecimentos mais sofisticados – fonda – existiam apenas nas grandes cidades. Eram mais próximos do que se chama hotel, já que aceitam apenas pessoas e não cavalos e mulas. Mais tarde passaram também a servir refeições. Outros estabelecimentos urbanos eram as pousadas, uma casa para repouso depois do trabalho do dia, dedicada aos animais e seus condutores. Os donos deveriam apenas providenciar acomodação, sal e facilidades para o hóspede cozinhar, com alimentos que ele mesmo trazia. Quem utilizava desses serviços, pagava ainda uma soma suplementar – ruído de casa – para compensar a perturbação e barulho causados pelo visitante e seus animais.

No interior e nos campos, as ventas, paradores e mesones eram mais voltados para os animais, do que para os homens. Por causa do estado das estradas na Península. O traçado básico foi realizado pelos romanos, e depois nada mais foi feito, até o tempo dos Bourbons na Espanha, no século XVIII, quando Charles III melhorou as principais rotas entre Madri e as maiores cidades da província, permitindo então o uso regular de carruagens.

Fotos: Divulgação

O nome do Parador foi inspirado em obra de Lesage e o palácio é do século dezessete, próximo às famosas Caves de Altamira

O mal estado das estradas e suas inutilidades para uso militar tiveram papel importante na derrota de Napoleão na Guerra da Península. Daí não há surpresa para o fato que ventas e mesones, eram localizadas fora do perímetro urbano das cidades, para que os comerciantes não pagassem as taxas, dedicassem toda atenção aos animais de carga, deixando seus condutores em segundo plano. Na época os grandes viajantes eram os britânicos, responsáveis também pelas reformas das hospedagens e implementação das ferrovias.

Muitos dos Paradores foram construídos em um período e depois reconstruídos em diferentes épocas da história da Espanha. Um bom exemplo: o castelo de Fuenterrabia, primeiramente construído pelo Rei Sancho Abarca de Navarra no século 10, ampliado por Sancho el Fuerte no século onze, e depois associado aos reis católicos, o Imperador Charles V, Philip III, Philip IV e os reis franceses François I e Louis XIV. Assim, os Paradores pode ser o ponto de partida para uma viagem de descobertas históricas da Espanha e de regiões específicas. As regiões da Espanha são bem diversificadas, além de apresentarem também a diversidade na gastronomia regional e nos vinhos. A Andaluzia é famosa pelos pratos de frituras; a Extremadura por causa de seus presuntos e embutidos; a Velha Castilha, pelos leitãozinhos e carneirinhos assados; Valencia, pelas paellas e arrozes; a costa norte pelos moluscos e as várias maneiras de prepara-los. Também os vinhos são diferenciados e oferecem muito mais do que o famoso sherry: basta lembrar dos vinhedos clássicos de Rioja, o robusto Valdepeñas ou o delicado e aromático vinho verde da Galicia, espumante.

Claro que para apreciar as belezas dos cenários, é preciso que o visitante esteja em paz consigo mesmo e com o mundo. Senão vai repetir a viagem no dorso de cavalo que Richard Ford realizou nos idos de 1830 : faminta, sedenta, sem chá, sem carnes, sem cervejas. Não é o caso de quem se hospeda em um Parador que centraliza em seu restaurante todos os melhores sabores regionais e seus melhores vinhos. Antes de embarcar para a Espanha, consulte os escritórios de turismo e veja a lista de Paradores (hotéis), Albergues ( hospedarias), Refugios (centros de esportes de inverno) e Hosterías (restaurantes). E nem é preciso dizer que as opções de Hosterias vão desde hotéis luxuosos até as típicas fondas e que os Paradores, de todos os períodos históricos, são o espelho da cultura espanhola.

O primeiro Parador foi o de Gredos, Ávila, em 1928. Depois foram inaugurados o Hotel Atlantico de Cadiz, em 1930. No mesmo ano, o Parador de Oropesa, de Toledo, e a Hosteria de Alcalá de Henares, Madrid


Santillana del Mar é Monumento Nacional na Espanha, destacando o seu Parador Gil Blas

 

GIL BLAS – SANTILLANA DEL MAR
O Parador de Gil Blas, perto de Santander, fica junto das Caves de Altamira, descobertas em 1875 por S. de Sautuola. As pinturas rupestres, embora menores do que as que mais tarde foram descobertas em Lascaux, Dordogne, em 1940, continuam sendo as mais intrigantes já vistas. Ficam confinadas em uma câmara de rocha, acessível através de uma passagem estreita e cheia de curvas. Foi chamada de Capela Sistina da Arte Paleolítica. São 150 pinturas representando bisões, veados, cavalos pintados em vermelho e ocre amarelado, contornados por uma linha em preto. Os mais impressionantes ficam no teto, a maior delas com dois metros de comprimento. O visitante precisa deitar de costas , para poder apreciar melhor o conjunto. Mas a Cave de Altamira não é a única na região: há outras em Puente Viesgo e Ramales de la Victoria, ambas com riqueza de desenhos e outros restos pré-históricos .

O Parador tem seu nome inspirado no herói criado por Lesage no romance Gil Blas de Santillane. O livro foi completado em 1735, tendo como cenário a Espanha, embora seus personagens espelhem a vida de Paris na época. A pequena cidade de Santillana, hoje Monumento Nacional, cresceu em torno de um monastério construído para abrigar os restos de Santa Juliana, martirizada na Ásia Menor. Recebeu como primeiros hóspedes Ferdinando I de Castilha, que viajava no interior do território mourisco, depois da queda do califado de Córdoba durante a primeira década do século onze.

O prédio mais interessante de Santillana de hoje é a Colegiata, contruída no século doze no lugar do antigo monastério. Além do túmulo de Santa Juliana, se destaca pelos capitéis entalhados com flores, animais e figuras humanas e um belo altar gótico com pinturas de 1453.

A cidade conserva ruazinhas com pavimento em pedras, balcões nas casas com flores coloridas e um antigo local aberto para lavagens. A cidade foi o berço da aristocracia de Cantábria, como provam as mansões com fachadas lavradas em pedras. A mais antiga remonta ao século treze, mas a maioria é em estilo barroco, pertencente a famílias como Tagle, Estrada, Cossio, Peredo.

Um dos filhos mais famosos foi o Marques de Satillana, célebre poeta do século quinze. O antigo palácio dos Abades, passou a ser propriedade da arquiduquesa Margarita de Áustria.

O Parador Gil Blas está instalado em um palácio do século dezessete, da família Bareda Bracho, e todas as suas características principais foram conservadas. Além de estar nas imediações das Caves de Altamira, é excelente opção para quem quer visitar as praias de areias da costa Cantábrica e fazer excursões ao Picos de Europa, com suas montanhas floridas e os rios para pesca de salmão e truta.

GASTRONOMIA
Basicamente a Cantábria é famosa pelos moluscos, ostras das águas frias e das praias de pedras do Atlântico. Lagostas (bogavantes), camarões (gambas), servidos frios ou a la plancha, podem levar molho al pil pil, feito com alho e pimentas. Camarões menores (camarones) e ameijoas (almejas) fazem bons aperitivos. E ainda há percebes, que parecem um pedaço de garras finas de caranguejo e os famosos caranquejos aranha (centollo). A área do porto junto de Santander é chamada de Sardinero, pela grande quantidade de sardinhas no verão, servidas fritas ou grelhadas nos restaurantes de praia. Há muito salmão, trutas e caça vindos das montanhas atrás das praias. É aproveitar e combinar paisagens, história, cultura, boa mesa e bons vinhos, seguindo a geografia dos Paradores de Espanha.