LEANDRO MACHADO SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Eles foram campeões mundiais de robótica em um torneio que reuniu adolescentes do mundo inteiro, em maio do ano passado, na África do Sul. No dia seguinte, precisavam de dinheiro para continuar a fazer e estudar o que mais gostam: robôs. O jeito foi passar o chapéu. O chapéu agora é virtual.

Os estudantes do ensino médio Felipe Tiozo e Felipe Oliveira, ambos com 16 anos, criaram uma campanha no site de crowdfunding Catarse. Pediram R$ 6.000. Funciona mesmo como uma vaquinha: você precisa de dinheiro para criar um produto, viajar, estudar, qualquer coisa. Então cria uma campanha, explica seus motivos e pede um valor. Quem gostar doa alguma quantia.

Esse tipo de financiamento coletivo tem, cada vez mais, ajudado a bancar projetos de estudo, como o dos jovens Tiozo e Oliveira. Os dois garotos são alunos do Sesi, que pagou a pesquisa e a viagem deles para o campeonato mundial em 2015. Mas, por critérios de idade, eles não poderiam mais participar pela escola. “Nós queríamos continuar com o que a gente mais gosta, que é a robótica, mas não tínhamos dinheiro. Então pensamos em fazer uma campanha”, conta Tiozo. Deu certo e agora os dois têm uma equipe independente, Carbobots.

Até 2013, as vaquinhas virtuais no Brasil eram usadas mais para bancar ONGs, coletivos, artistas ou desenvolvimento de produtos. Foram muitos os músicos que lançaram trabalhos novos por meio do crowdfunding, por exemplo. Quem doava recebia uma recompensa, como um disco. Isso começou a mudar quando as plataformas, como a Kickante, abriram espaço para campanhas mais pessoais. Nesses casos, a recompensa passa a ter menos valor e muitas vezes é imaterial.

A estudante Laís Piccinini, 25, por exemplo, mandou um adesivo de sua campanha e um e-mail de agradecimento para quem doava. No ano passado, a jovem passou na seleção de um mestrado em engenharia na universidade de Columbia, em Nova York. Mesmo juntando as economias da família, faltava muito para bancar o curso, viagem e a hospedagem. Pediu R$ 12 mil no site Benfeitoria e arrecadou R$ 22 mil. “As pessoas doam porque têm esperança de ver um país melhor e enxergam a educação com uma maneira de isso acontecer”, conta Laís, de Nova York, por telefone.

DESCONHECIDOS

Educação já é o tema com o maior número de campanhas no Kickante. Só em 2015, projetos de estudo movimentaram R$ 1 milhão no site de financiamento coletivo. “Conseguir financiamento na área de educação tem sido difícil e, com o corte de verbas do Estado, o crowdfunding preenche esse vácuo”, diz Candice Pascoal, presidente da plataforma. Quem doa normalmente é do círculo de quem pede: parentes, pessoas próximas, amigos dos amigos. Mas há desconhecidos também.

O estudante João Vitor Chaves, 21, recebeu uma doação de R$ 5.000 de um desconhecido quando fez uma campanha para bancar uma viagem aos EUA. Ele havia conseguido uma vaga em um curso de empreendedorismo para startups no MIT (Massachusetts Institute of Technology). “Fui procurar quem havia doado. Ele se interessou pelos meus projetos e acabamos virando sócios”, diz. A campanha de Marcela Uliano, 29, também arrecadou de gente do país todo. Ela conseguiu R$ 40 mil para financiar parte de seu doutorado em biofísica na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). O projeto promoveu o sequenciamento genético do mexilhão dourado, uma espécie de parasita que chegou ao país em navios, causando problemas no ecossistema de rios e do Pantanal.

INSPIRAÇÃO

Como fazer uma campanha dar certo? Como convencer que um projeto de estudo pode trazer benefícios para o doador? Segundo Felipe Caruso, 31, consultor de campanha de crowdfunding, quem pede financiamento deve ultrapassar o círculo de pessoas próximas e amigos dos amigos.

“Para financiar o seu estudo, você tem que deixar claro que seu projeto beneficia o público. Você precisa colocar suas motivações, inspirar as pessoas”, afirma o consultor. “É preciso focar no seu público mais próximo para que, depois, pessoas que não te conhecem vejam que seus amigos confiam em você e passem a confiar também”, diz Candice Pascoal, presidente do site Kickante. Marcela Uliano, 29, criou uma animação que explicava sua pesquisa de doutorado sobre o mexilhão dourado. “Deixei claro que o mexilhão poderia ser uma ameaça para a Amazônia. As pessoas se importam com isso”, diz ela, que arrecadou R$ 40 mil. “Para mim, o segredo é você sempre tratar bem as pessoas. Fiz isso e, quando precisei, elas me ajudaram. Tem gente que vê que você está lutando por um sonho, se coloca no seu lugar e acaba doando”, conta Laís Piccinini, 25, que arrecadou R$ 22 mil para um mestrado em Nova York. O estudante João Vitor Chaves, 21, diz que apelou para o emocional. “Eu disse que tinha uma oportunidade e precisava do dinheiro, criei um vínculo com o doador”, diz. Ele captou R$ 32 mil no Kickante para bancar um curso nos Estados Unidos.