SYLVIA COLOMBO, ENVIADA ESPECIAL
PARATY, RJ (FOLHAPRESS) – “O Brasil precisa de uma história que não o celebre, mas sim que o entenda”, disse o escritor e pesquisador norte-americano Benjamin Moser, numa das várias passagens da mesa “Breviário do Brasil” que arrancaram muitos aplausos da plateia.
Moser debateu interpretações de estrangeiros sobre o país com o historiador britânico Kenneth Maxwell, na manhã desta sexta (1º), com mediação da antropóloga Lili Schwarcz.
Para Moser, o brasileiro é excessivamente nacionalista e cultua ícones históricos sem os questionar, além de celebrar uma alegria que nem sempre sente. “O Brasil é muito mais triste do que aparenta.”
Um pedido de autocrítica aos brasileiros é a provocação principal do mais recente trabalho do biógrafo de Clarice Lispector, a coleção de ensaios “Autoimperialismos” (Planeta).
Nele, Moser analisa a relação dos brasileiros com o poder por meio da arquitetura. “Brasília é um filhote bastardo do Rio. Enquanto lá afastaram-se os negros e os pobres do centro e das praias para a favela, na nova capital a ideia é deixar o povo longe do poder. Nos protestos de agora nós vimos, aquele Congresso, construção horrorosa, com as pessoas pequenininhas se manifestando lá embaixo. Que político vai dar bola para um povo que não consegue enxergar direito?”, perguntou, levantando mais aplausos da plateia.
Maxwell também abordou o atual clima político dizendo-se muito preocupado. “Que renovação podemos esperar de um governo formado por homens brancos com mais de 70 anos?”, ao que a plateia respondeu com “Fora, Temer!”.
O autor de “A Devassa da Devassa”, clássico da historiografia sobre a Inconfidência Mineira, disse estar “muito preocupado com a situação atual do país”, mas que a relaciona com um “momento de impasse político no mundo”.
E mencionou as situações do Reino Unido após o Brexit e a ascensão de Donald Trump como provável candidato nos EUA como fenômenos relacionados de um desgaste da política.
Moser sugeriu uma revisão do conceito celebratório de miscigenação. “Não podemos seguir repetindo que deu tudo certo só porque Gilberto Freyre gostava de mulatas.”
E acrescentou: “Por exemplo, não vejo nenhum negro aqui hoje”, mais aplausos. Ao ver que apenas três pessoas negras levantavam a mão, concluiu com uma ironia. “Ah, três negros numa plateia desse tamanho. Então tá, parece que deu tudo certo mesmo”, voltando a ser ovacionado.
Maxwell introduziu entre as necessidades de revisão do passado brasileiro a relação com os crimes cometidos pelo Estado durante a ditadura militar (1964-1985).
“Como é possível que não tenha havido nenhum repressor julgado e preso no Brasil, quando na Argentina e no Chile, que tiveram ditaduras tão brutais, isso vem acontecendo?”.
Acrescentou que a corrupção e outros problemas do Brasil estão relacionados à falta de transparência. O brasilianista, que agora está se dedicando a estudar o ex-secretário de Estado norte-americano Henry Kissinger, observou que toda sua documentação está online no site do Departamento de Estado.
“Inclusive a correspondência, por exemplo, com o embaixador dos EUA na Argentina, que relatava sobre torturas e voos da morte na ditadura de lá. Esses documentos estão disponíveis, enquanto no Brasil falta acesso e transparência a dados sobre o que de fato ocorreu durante a ditadura.”
Moser reforçou uma das ideias do livro de ensaios que está lançando que é a de que o Brasil é imperialista dentro de seu próprio território. E que os monumentos ao nosso passado são um elogio da conquista, como os relacionados aos bandeirantes ou à Independência.
“Nos EUA isso também ocorreu, esse tipo de celebração dos heróis conquistadores. Mas com o tempo e com o trabalho dos historiadores, esses exemplos deixaram de ser heróicos para serem ironizados. Aqui no Brasil isso não aconteceu.”
O pesquisador crê que isso esteja relacionado com a euforia que os brasileiros sentem com relação a seu país e o entusiasmo excessivo que sente em momentos bons de sua história.
“Mas isso sempre terminou em decepções, e esse ciclo de euforia e decepção, que se repete e estamos vendo acontecer de novo agora, causou muito dano ao país”, concluiu, com mais aplausos.